Na semana passada, depois de refletir sobre a evasão dos católicos de sua Igreja para diversas outras denominações, terminamos com uma pergunta importante: O que os católicos – aqueles que resistem bravamente às grandes tribulações da evasão católica – esperam do ministro ordenado que a Igreja lhes destina?
Em primeiro lugar, num mundo tão secularizado e ao mesmo tempo com experiências religiosas tão múltiplas, partir do pressuposto de que o católico já fez sua experiência de Deus e já conhece Jesus Cristo é no mínimo arriscado, se não ingênuo. O ministro ordenado é atualmente desafiado a desenvolver um trabalho de revelação mais que um trabalho de explicação e de expressão de uma fé já vivida. A tomada de consciência da virada epocal nos anima a propor a passagem de um modelo de presbítero, que mantém e garante a fé – por meio de uma pastoral de manutenção (DA, 366 e 370) –, a um presbítero que favoreça o encontro com Jesus Cristo e promova a descoberta da singularidade cristã, fazendo dessa experiência uma mediação fecunda para a busca da identidade do sujeito contemporâneo.
Assim, diria Denis Villepelet, nós entendemos que o presbítero é convidado a ser alguém que confere ao seu ministério uma orientação resolutamente querigmática , iniciática, que favorece a experiência primeira da fé. O desafio do ministro ordenado não é tanto o de ajudar o povo a ligar a vida e a fé, como se a fé já fosse um pressuposto, um dado concreto inquestionável, presente na vida dos frequentadores de nossas comunidades. Seu desafio atual parece ser o de ajudar sua gente a se apropriar desse ato de fé e de assimilar suas verdadeiras repercussões para a vida. A experiência da fé não é algo tão evidente assim. Deus é um Deus totalmente outro, um mistério inacessível e incompreensível que ultrapassa infinitamente o homem e que se encontra irremediavelmente escondido. Se nos é dado o privilégio de conhecê-lo é porque esse Deus misterioso e escondido, na grandeza do seu amor, se comunica em seu Filho para bem da humanidade e de cada indivíduo. Ao assumir sua tarefa, o presbítero contemporâneo precisa se lembrar de que o único caminho praticável do homem para Deus é aquele que vai de Deus para o homem e que se chama Jesus Cristo. Crer no Deus de Jesus Cristo é se confiar a esse Deus de amor revelado em Jesus Cristo sem o qual ele ficaria totalmente outro, totalmente inacessível. Ajudar o povo a fazer essa experiência do Deus totalmente Outro mas totalmente próximo e presente em nossa história desponta como missão primeira do presbítero hoje. A fé cristã não sobrevive mais nas atuais circunstâncias se não for assumida como uma convicção pessoal e livre. A fé herdada de nossos pais já não garante mais a nossa fé. Antes de ser transmissão, a fé é proposta que deve ser livremente assumida ou rejeitada. E esse apossar-se da fé vem pelo caminho da experiência pessoal com Deus, realizada na comunidade eclesial. O povo quer Deus, quer fazer seu mergulho em Deus. Anseia por Deus como a corça suspira pelas águas. Essa experiência de Deus, fundamental na vida cristã, não se dá sem menos. Há todo um processo que a favorece ou a dificulta. O presbítero é convidado a ser um mistagogo: alguém que acompanha o iniciante na fé, ajudando-o a fazer esse mergulho no mistério, e não somente alguém que ensina ou mantém a fé já despertada. Alguém que ajuda sua gente a se render diante do mistério escondido do Pai, revelado em Jesus Cristo por seu Espírito.
O caminho para o mergulho na fé é diversificado e comporta várias modalidades. Vamos conversar apenas sobre três delas, mas isso é assunto para a próxima semana.
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1 Não se entenda com isso uma divisão entre catequese e evangelização, como se evangelização fosse algo primeiro e a catequese viesse logo em seguida. Entendemos que toda catequese é evangelizadora e toda evangelização é catequética. Alertamos, porém, para a importância da experiência querigmática, o primeiro anúncio. Não primeiro anúncio em ordem cronológica, mas primeiro no sentido de eminente, de primazia. O querigma é o anúncio primeiro, pois ele é fundante da fé. Sem conhecimento da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus, sem essa experiência fundante do Deus que nos amou em seu Filho na ação de seu Espírito, a fé se esvazia de sentido. Torna-se uma doutrina, um conjunto de leis e regras a serem seguidas. Mas a fé cristã não é uma doutrina, é o seguimento de uma pessoa – Jesus Cristo – que nos amou e se entregou por nós e que nos convida à entrega total a ele. Cf. CNBB. Evangelização e missão profética da Igreja. Doc. 80. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 26 e 52; DGAE 2008-2010, 54 e 57 . E também Evangelii Nuntiandi, 22 e 27; Diretório Nacional da Catequese (DGC), 13d.
SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)
MARCADOR: SOLANGE MARIA DO CARMO
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