sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Evangelização: missão e desafio - 09


Já vimos duas tendências importantes da catequese atual: uma tendência mais centrada na doutrina e outra mais voltada para a questão social. Vejamos agora uma outra tendência, também bastante forte em algumas realidades: a catequese centrada na conversão pessoal.

Catequese centrada na conversão pessoal
... a espiritualidade [transformou-se] em publicidade da ‘"logomarca Jesus", mas Deus ficou esquecido...
(Johan Konings).



Bastaram três dias depois do “amém” das exéquias celebradas em honra a Deus que havia morrido pela boca de alguns filósofos, para que o divino ressurgisse do seio da terra com força total. Mesmo com todas as investidas de alguns pensadores contra a religião, especialmente Feuerbach, Marx, Sartre, Nietzche e Freud (1) , que contribuíram para o ateísmo moderno, sobreviveu no coração humano a sede de Deus. Num momento em que todos apostavam na máxima secularização da sociedade, o que parecia improvável aconteceu. Cansado de tanta racionalidade e desencantado com a imanência deste mundo que passa, o homem pós-moderno busca pelo sagrado. Tem sede de Deus. Anseia por ele. Deseja encontrá-lo.
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Ultimamente tem-se percebido que o mundo técnico e científico, que queria acabar com a religião, tem provocado uma reação oposta de reencantamento do mundo. As formas religiosas têm abundado, desacreditando os profetas que anunciavam a morte da dimensão religiosa do ser humano (2) .
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(1) Para Feuerbach, a única realidade é o indivíduo, um ser puramente orgânico cujo pensamento é produto do funcionamento de órgãos fisiológicos. Assim, Deus é um produto das necessidades psicológicas humanas, isto é, o homem projeta seus desejos e ideais, anseios e esperanças num mundo superior que é incapaz de realizar no tempo presente, dando-lhes o nome de Deus. Para Marx, que se concentra no problema social, é preciso transformar o mundo de modo que ele seja um ambiente onde o ser humano viva sem dor e sofrimento. Deus lhe parece um obstáculo para atingir esse fim, pois o homem, na sua miséria, cria Deus – produto de sua imaginação – que o consola e lhe dá alento neste mundo cruel, acomodando-o no seu estado atual. Deus se torna, então, o ópio do povo, uma criação da mente humana para dar esperança aos derrotados. Para ele, todo esforço humano deve ser investido na transformação do mundo, e a adoração a Deus é desperdício de energia humana que deveria ser gasta para alcançar transformações sociais. Para Freud, Deus é produto do inconsciente, dos desejos frustrados do ser humano e de seus recalques sexuais. Para Sartre, o ateísmo é condição para uma vida verdadeiramente humana. Ele está no princípio da vida, e não é o resultado da especulação humana. Para Nietzsche, a existência de Deus é incompatível com a liberdade humana. Então, o filósofo declara: “Deus está morto! Nós o matamos!” Postula-se a não-existência de Deus para salvaguardar a liberdade humana, pois o que está presente é a idéia de que a existência de Deus é limitação e agressão ao homem. Sobre o ateísmo moderno, cf. SCHMAUS, Michael. A fé da Igreja: fundamentos. Petrópolis: Vozes, 1986. v. 1, p. 56-64.
(2) LIBANIO, João Batista. Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação: para a formação dos agentes de pastoral nos distintos ministérios e serviços da Igreja. Valencia (Espanha): Siquem, 2001. p. 44.
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E o grande sinal dos tempos hodiernos se faz então visível: as igrejas que adotam certo estilo sacralizante estão repletas de fiéis, os movimentos religiosos alternativos atraem numerosos adeptos, as seitas estão abarrotadas de gente. Todos querem Deus, ainda que não saibam que Deus é esse. Por meio da busca alucinada de algo que console o ser humano e o arranque de sua própria insignificância, revela-se que a Palavra de Deus quer ser ouvida: “Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e cansados, e eu vos aliviarei” (Mt 11,28).
Diante desse retorno inesperado do sagrado, uma nova vertente catequética encontrou espaço: um discurso com tendência mais centrada na subjetividade, na conversão pessoal (cf. DNC, 13 a; Doc. CNBB 80, p. 28), na experiência de fé.
É até difícil pensar que católico resultará dessa nova vertente evangelizadora. Por ora parece que o objetivo central é converter a pessoa e, por meio dessa experiência de conversão, provocar as demais mudanças. No entanto, o que se tem reparado é que este discurso está formando um público católico que vai à missa, que reza o terço, que usa camiseta com slogans – “Deus é dez” – ou que prega no carro um adesivo – “Sou feliz por ser católico” –, mas não entrou em comunhão com a fé cristã na sua radicalidade. Quando a vida aperta, esse católico não sabe sofrer, pois não entendeu a dinâmica do “tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9,23). Ele quer retribuição, pois Deus é bom. Quer garantias de paz, de saúde, de sucesso e muito mais. Não sabe lidar com os fracassos da vida, com as perdas, com a morte e coisas afins. Não entendeu a engrenagem da sociedade, ainda que se engaje em partidos políticos e se candidate. Conhece a doutrina católica, mas como um pacote que não se encarna na realidade histórica em que está inserido. Vive meio aéreo, como se andasse nas nuvens, elevado pelo Espírito que o arrebata deste mundo de pecado.
Esta linguagem mais voltada para a espiritualidade e a conversão pessoal é uma tentativa de resposta a um sinal dos tempos que pode ser observado. Mais que urgente, esse discurso é necessário. Um católico que não passou pela experiência pessoal da conversão certamente ficou sem as bases necessárias para todo o resto da construção da fé. O que está em jogo não é a necessidade ou não da conversão pessoal, mas o conceito de conversão. Parece que converter-se é mais que voltar às práticas religiosas das quais se estava afastado. Eis o desafio!


SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)
solangedocarmo@ig.com.br

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