domingo, 22 de novembro de 2009

MISSA DO DOMINGO DE CRISTO REI


Primeira leitura: Daniel 7,13-14
Seu poder é um poder eterno.

Salmo responsorial: 92(93),1ab.1c-2.5 (R/.1a)
Deus é Rei e se vestiu de majestade, glória ao Senhor!

Segunda leitura: Apocalipse 1,5-8
O soberano dos reis da terra fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai.

Evangelho: João 18,33-37
Tu o dizes: eu sou rei.

A liturgia deste domingo nos traz de novo a passagem do livro de Daniel. Em contraposição às pretensões de divindade e de domínio absoluto, típicos dos dominadores (gregos para a época do livro), Daniel vai mostrando outras imagens do verdadeiro e eterno Deus. O conteúdo dos livros ou materiais apocalípticos não devem ser tomados em sentido literal. Devem antes ser considerados e valorizados a partir da ótica da resistência, um recurso que o hagiógrafo lança mão para incutir no fiel quão perigosos são os efeitos de uma ideologia que pretende suplantar o poder e o senhorio únicos do Deus bíblico. A história tem demonstrado que, tanto os impérios como os imperadores, reinos e reis fenecem, passam, acabam e isso não vai mudar; que somente uma coisa é imutável: o poder, a glória e o reinado de Deus a favor dos oprimidos, isso nunca passará.

Celebramos a solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo. Com esta ótica lemos a passagem do livro de Daniel; nela um ser semelhante a um filho do homem, recebe da parte do ancião o poder e a soberania universais. Em contraste com esta imagem de Daniel que foi assumida pelo cristianismo como uma prefiguração do reinado universal de Cristo, o evangelho de João nos apresenta o momento do juízo político de Jesus diante de Pilatos. Oficialmente Jesus não se proclamou Rei, contudo este é o argumento pelo qual os seus adversários querem que seja condenado. De fato, seus adversários já o condenaram à morte, porém eles não podiam executar a pena capital (Jo 18,31), que era direito exclusivo de Roma (jus gladiis). Por isso a insistência junto a Pilatos para que ele confirme a sentença já exarada.

Pilatos já está informado da situação e por isso pergunta diretamente a Jesus: És tu o rei dos judeus? Jesus responde com outra pergunta: indaga ao interrogador qual é a origem dessa acusação; de qualquer maneira, nesse momento se transforma em aclamação. Pilatos não está interessado em estabelecer nenhum tipo de vínculo com Jesus, contudo, segundo a forma como o evangelista João conduz o fio do relato, a realeza de Jesus é proclamada, não pelos seus conterrâneos, mas pelos pagãos.

Indiretamente Jesus responde de modo afirmativo à primeira pergunta de Pilatos, porém faz um esclarecimento que logicamente nem Pilatos nem seus acusadores podem entender: "meu reinado", ou também "minha realeza não é deste mundo", porém deve-se entender "não é a modo ou à maneira deste mundo". E o esclarecimento continua: "se minha realeza fosse desta realidade, teria sido defendido por meu exercito e não teria caído nas mãos dos judeus".

Porém, Pilatos quer uma resposta mais clara, um sim ou um não, e de novo interroga: "então, tu és rei?". De novo João coloca nos lábios de um pagão a expressão que confirma a realeza de Jesus. Pilatos o disse e assim é, porém, em seguida Jesus corrige a característica dessa realeza: "para isso eu vim, não para dominar nem para infundir terror, mas para estar a serviço da verdade".

Assim, o evangelista deixa claro em que consiste a dimensão messiânica e real de Jesus. Não se trata de um rei ao estilo dos reinados temporais, mas ao estilo já vislumbrado no Primeiro Testamento, a partir da entrega, do serviço ao projeto do Pai, que é, antes de tudo, a justiça. Esta é a verdade para João, o projeto do Pai encarnado em Jesus.

Lamentavelmente, com o correr do tempo o conteúdo deste interrogatório foi deturpado, especialmente a resposta de Jesus sobre a origem de sua realeza. Algumas correntes cristológicas, que subsistem até hoje, defendem uma dimensão "espiritual" do reinado de Jesus. Segundo isso, "meu reinado não é deste mundo" desconecta Jesus e seu evangelho de todo tipo de compromisso e de todo contato com a origem temporal, desta realidade concreta em que vivemos, e o transfere a um mundo "espiritual", ou simplesmente àquele "mundo das idéias" de Platão.

Essa falsa interpretação merece vários ajustes. Por uma parte, quando João fala de "mundo", quase sempre se refere a esta realidade habitada por seres humanos e onde se verificam as tendências mais contraditórias. As que interessam ao evangelista são aquelas que estão em oposição ao querer e à vontade de Deus. Em uma palavra "mundo" para João é uma forma sintética de referir-se a tudo que contradiz o projeto divino e que pode ser equiparado com o que ele mesmo tenta qualificar também com a expressão "trevas" em contraposição à "luz". Nesse sentido pode-se entender "meu reino não é deste mundo", "não é desses reinos ou reinados que se opõem ao querer de Deus". Sob essa ótica, Jesus realizou toda sua ação, sem nenhuma contradição com a vontade de seu Pai. Se projetamos o reinado de Jesus a uma categoria extramundana, deixamos de reconhecer seu compromisso e sua incidência nos assuntos do viver diário durante todo seu ministério público, desde a Galiléia até Jerusalém. Se sua missão fosse apenas de caráter "espiritual", não haveria a necessidade de ter-se enfrentado com as autoridades judaicas; mais ainda, poderia ter decidido tudo que tinha que dizer a partir de uma cova no deserto.

Outra consequencia que deriva de uma falsa interpretação dessa expressão tem a ver com o cristão enquanto tal. Para os que crêem que Jesus e sua obra "não são deste mundo", o mais prático é não imiscuir-se em assuntos temporais, ou melhor, não "meter-se em problemas". Lamentavelmente esta corrente conta com muitos adeptos, tanto no campo católico como no campo não católico. Enquanto quatro evangelistas, isto é, quatro das comunidades primitivas (entre muitas que haviam surgido) nos deixam um testemunho de aberto compromisso de Jesus com a causa do Pai, expressa nos pobres, um par de versículos que reflete apenas uma mínima parte do pensamento joanico sobre Jesus, acaba se tornando o argumento "definitivo" para subtrair Jesus de seu compromisso concreto, político e social, com sua geração e sua intenção de que seus seguidores fizessem o mesmo.

Não é necessário nem conveniente sublinhar tanto a "realeza" de Jesus, se isso significa distorcer seu autêntico e efetivo projeto de vida; isso provoca muito dano, sobretudo aos mais oprimidos, apresentar essa imagem monárquica e principesca de um Jesus que, na verdade, dedicou toda sua vida e suas energias a desmascarar e a lutar contra esse tipo de estrutura.

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