sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Evangelização: missão e desafio - 6


Tendo percorrido um pouco a história e entendido a importância do Concílio de Trento para a catequese, com seus catecismos e missões populares, agora podemos passar para outro evento muito importante, mas já bem perto de nós: o Concílio Vaticano II.

Repercussões do Concílio Vaticano II

O Vaticano II (1962-1965) é um divisor de águas na história contemporânea da Igreja. Ele chegou como um filho muito esperado, mas que só veio à luz ao custo de dores e gemidos sem par.

Diversos movimentos o precederam e prepararam o terreno da Igreja Católica para a grande semeadura que haveria de acontecer. Por todo lado, podiam ser vistos sinais de mudança. A Ação Católica registrava a presença atuante de fiéis leigos no campo social, o Movimento Litúrgico vinha promovendo a chance de a liturgia ser repensada. O Movimento Bíblico fazia a Bíblia transbordar do universo hierárquico para ambientes populares. O Movimento Ecumênico ganhava força depois das guerras: cristãos superaram suas divergências e se uniram para servir os refugiados de guerra e os judeus. O ecumenismo não era mais um sonho impossível, mas uma idéia ventilada em alguns ambientes. O Movimento Catequético ganhava vulto, tendo como animador Joseph Colomb, diretor do ensino religioso de Lião. A partir de 1964, diversas obras acentuam as insuficiências do catecismo que vigorava na Igreja. Uma sede de mudança e de um novo discurso se instalava pouco a pouco, sem alardes, mas ganhando terreno.

O século XX chegou com a Modernidade transitando livremente nos diversos setores da vida humana. Mas, no campo religioso católico, a Modernidade encontrou o sinal fechado(1) . Prevalecia ainda uma visão estática e jurídica da Igreja, tanto no campo da reflexão teológica quanto no campo da práxis (moral e pastoral principalmente). Depois da Reforma Protestante e da Revolução Francesa, com o conseqüente processo de secularização da sociedade, a Igreja não gozava mais de tanto prestígio. Como um caramujo que, ao ver-se ameaçado, recolhe-se sob a couraça de sua concha, a Igreja havia se voltado para dentro de si
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(1)Uma trajetória de oposição à modernidade havia sido evidenciada pela Igreja Católica, desde 1832, com a encíclica “Mirari Vos”, do papa Gregório XVI. Mais tarde, em 1864, Pio IX confronta-se com a modernidade por meio da encíclica “Quanta Cura” e suas condenações. Em 1870, o clima que o Vaticano I respirava era de grande resistência à modernidade e às suas novidades. Com Pio X, o confronto se agrava quando, em 1907, o Sumo Pontífice condena o modernismo e, logo em seguida, em 1910, apóia o movimento anti-democrático e os candidatos ao sacerdócio devem prestar o juramento anti-modernista. Pio XI, em 1922, assume a direção da Igreja e convoca os leigos para assumirem seu papel de militância cristã, nascendo, assim, a Ação Católica. Uma nova postura diante da modernidade começa a ser gestada, mas não será fácil esse processo.
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mesma, desenvolvendo um discurso apologético para proteger-se dos ataques da Modernidade. O pontificado de Pio XII (1939-1958) carrega marcas desse esforço de conservadorismo, mas já com sinais visíveis de sua iminente superação.

Os movimentos de renovação ganharam força dentro da Igreja depois da Segunda Guerra Mundial. Nota-se, por todo canto, um vento novo, que já sinalizava o sopro grandioso do Espírito que ainda estava por vir com o Concílio.

O papa João XXIII será o grande radar meteorológico que vai captar o tempo novo que se aproxima. Não dava mais para sustentar a postura de dona absoluta da verdade, que fora reforçada pela proclamação do dogma da infalibilidade do magistério do Sumo Pontífice, no Concílio Vaticano I, em 1870. Era preciso sentir o ritmo do tempo, as vibrações do momento histórico, e, assim, fazer o necessário aggiornamento da Igreja para o contexto atual.

Só com um novo Concílio seria possível uma renovação em escala mundial, que atingisse a Igreja no âmago de sua existência. Estava convocado, no dia 25 de janeiro de 1959, provocando reações bem diversificadas(2) , o Concílio Vaticano II.

Enquanto alguns aspiravam a renovações, outros se obstinavam em manter o ritmo antigo, de tal forma que a resistência ao novo foi sentida de vários modos no Concílio. Alguns chegaram a pensar que o Vaticano II seria apenas uma assembléia de curta duração. Mesmo tendo sido iniciado o Concílio, havia ainda quem pensasse que ele era apenas um fechamento do Concílio Vaticano I, ou seja, um evento sem maiores repercussões. Mas o papa mostrava-se firme em suas decisões e garantiu a necessária liberdade para os conciliares exporem os problemas mais gritantes e procurarem soluções oportunas para eles. Uma verdadeira faxina foi iniciada no interior sombrio da Igreja. Feita a desordem necessária para a limpeza da casa, morre o papa sorridente(3) , deixando uma expectativa no ar e um nó na garganta de todo o povo que ele cativou em tão pouco tempo.

Assume o pontificado o papa Paulo VI (1963-1978), que dá continuidade ao processo iniciado por seu antecessor. Logo na sua primeira mensagem como papa, ele sinalizou seu desejo de levar a cabo o projeto iniciado por João XXIII. E foram muitas as
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(2) Vale lembrar que o papa João XXIII, quando eleito, já se encontrava com 77 anos e teria sido pensado como um papa de transição. Além disso, o Vaticano I havia ficado inacabado por causa da guerra franco-alemã. Assim, ao se falar em concílio, foi possível pensar em uma continuidade do Vaticano I e não em um novo concílio. O papa João XXIII faz questão de realçar que é um novo concílio e não uma retomada do evento anterior.
(3)Esse título foi dado posteriormente ao papa João XXIII, devido a seu semblante sempre alegre e cativante. O papa morreu no dia 3 de junho de 1963, no dia de Pentecostes.
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sessões de trabalho incessante, fatigante. A Igreja se debruçou sobre si mesma para melhor compreender a si e a sua vocação. Assim, podia dialogar com o seu tempo de modo mais eficaz e ser presença de Deus no meio do mundo. Sem dúvida, o Concílio foi um evento ímpar, a ponto de ser chamado de “Novo Pentecostes”. No entanto, não foi só o acontecimento em si que teve tanta importância. Os documentos produzidos, que compõem o grande legado do Concílio, tornaram-se tesouro precioso para a Igreja, servindo de pontapé inicial para várias outras renovações na vida eclesial.

Foram produzidos ao todo dezesseis documentos, sendo a Lumen Gentium – juntamente com a Gaudium et Spes – considerada a coluna dorsal do Concílio. A novidade se fazia especialmente presente no jeito de a Igreja compreender a si mesma e o mundo. A passagem de uma visão hierárquica piramidal para uma imagem de Igreja como Povo de Deus em comunhão trouxe conseqüências muito importantes para a elaboração de um novo discurso. Mas esse novo jeito de ser Igreja não terá interpretação unívoca. E esse será nosso próximo assunto na semana que vem.


SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)

MARCADOR: SOLANGE MARIA DO CARMO

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