Tendo compreendido o que é formação e o que significa seu caráter permanente, vamos questionar agora qual seria o referencial desse novo processo formativo que a Igreja parece querer assumir.
Discutir o referencial da formação significa fazer questionamentos fundamentais, tais como: “O que a Igreja pretende transmitir ao povo? Com que objetivos a Igreja quer formar o povo? Que tipo de formação queremos fornecer? Quais são as necessidades do povo?”.
Inicialmente, parece que todas essas perguntas já têm respostas claras. Temos a tendência de pensar que já conhecemos o povo suficientemente e que já sabemos de suas necessidades. No entanto, quando os documentos e análises mais recentes da catequese no Brasil afirmam que aspectos importantes da vida do povo não foram percebidos; que os líderes pastorais pensaram que as necessidades do povo se limitassem ao campo sócio-econômico; que os aspectos emocional, afetivo, sexual, sentimental, relacional foram entendidos como “problema de quem não tem problema” e que até mesmo a dimensão emotiva e subjetiva do povo seria um problema para a caminhada da Igreja (Cf. estudos da CNBB, 73 n. 13 e 43), então, precisamos desconfiar de nossa capacidade de entender o povo. Há equívocos na compreensão das necessidades do povo. Isso significa, infelizmente, que nem sempre a liderança da Igreja tem sabido ouvir o povo.
Se a gente perguntar a qualquer pessoa envolvida com a catequese qual é o referencial básico da formação que estamos dando, ou seja, para que estamos formando o povo, certamente a pessoa responderá: “Estamos formando para a vida”.
Mas é bom desconfiar disso. Na prática, nossa formação talvez não esteja tão voltada assim para a vida da pessoa. Se nem compreendemos a pessoa, como podemos ter tanta certeza de que entendemos sua vida?
Vamos analisar alguns referenciais da catequese mais comuns, para clarear essa questão. Tomemos cinco referenciais mais freqüentes: os sacramentos, a Igreja ou comunidade, a militância, a vida e o discipulado ou seguimento de Jesus. Por hoje, veremos dois. Na semana que vem, trataremos dos outros três.
Formar para os sacramentos
A gente já diz que não quer formar as pessoas para os sacramentos. Mas, na prática, quase toda a formação ainda está voltada para os sacramentos. Em geral, até a linguagem dos roteiros de catequese, colocados à disposição das paróquias, ainda dividem os catequizandos em turmas de pré-eucaristia, eucaristia, pré-crisma e crisma. Já encontramos alguns que mudaram a linguagem, por exemplo, para catecumenato crismal. Mas a referência ainda é o sacramento da crisma, apesar de se falar em catecumenato. É um referencial sacramental. Sem falar que as paróquias ainda consomem esforços com preparação para o batismo e para o casamento. Tudo isso pode ser bom. Mas, a rigor, não estamos preparando para a vida e sim para os sacramentos. Em nossas paróquias, temos mesmo que dar conta da celebração dos sacramentos. E precisamos preparar as pessoas para isso. Talvez, porém, esse não deva ser o ponto articulador da paróquia, o eixo em torno do qual ela se organiza. Os sacramentos, pelo menos no discurso da Igreja, não são mais o centro, ou a referência central, para a formação do povo de Deus. Precisamos pensar em outro modo de organizar a catequese, para ajudar o povo a entender que os sacramentos são importantes, mas não são o objetivo final da catequese.
Formar para a Igreja
Essa tendência é muito forte hoje. A Igreja se vê acuada diante do mundo e quer reforçar sua identidade. Todo grupo que se sente pressionado pelo contexto social pouco favorável tende a se fechar e reforçar seus traços característicos, com medo de se diluir no tecido social. O medo da Igreja é maior, porque nem sempre sabe como se posicionar diante do pluralismo religioso e cultural e das mudanças da chamada pós-modernidade.
Isso faz nascer uma catequese cujo objetivo seria reforçar a identidade da própria Igreja e não tanto favorecer a experiência de fé e a maturidade cristã das pessoas. Claro que todos concordam em clarear a identidade de nossa fé católica. Mas a formação permanente precisa ir além disso. Existe uma preocupação em preparar líderes para a Igreja. É compreensível. Mas a formação permanente precisa ir além, abrangendo aspectos que vão mais a fundo na vida da pessoa. Não se trata apenas de treinar lideranças, mas de formar cristãos, seguidores autênticos de Jesus com experiência profunda de fé que os sustente nessa caminhada.
Certa vez, num encontro de catequistas, um teólogo que animava a turma afirmou veementemente que a função da catequese é formar para a comunidade. E insistiu tanto nessa idéia que ficou parecendo que a comunidade é mais importante que a pessoa. Ora, formar para a comunidade é o mesmo que formar para a Igreja. Claro que a comunidade é importante. Mas é importante não por causa de si mesma e sim por causa da vida da pessoa. A própria comunidade existe por causa da pessoa. A comunidade também forma para a vida. Sem querer restringir a questão à terminologia, talvez fosse melhor entender formação na comunidade e como comunidade, e não para a comunidade.
Outro fator que mostra certo eclesiologismo na catequese é o medo de reformular o ensino da doutrina. Por mais que se fale em renovação da catequese, não conseguimos nos desvencilhar das velhas categorias doutrinárias. A doutrina continua importante, pois ela é a tematização da fé que professamos. Entendamos isso bem. Mas precisaria ser transmitida em categorias novas, numa linguagem nova. Imaginemos, por exemplo, como seria difícil fazer caber a noção e os conteúdos de uma ética para o mundo pós-moderno dentro do esquema dos dez mandamentos. Os dez mandamentos continuam importantes. Mas talvez com uma importância diferente. Eles devem ter perdido um pouco daquela adequação que tinham na situação de Moisés no Monte Sinai.
Nós já sabemos que a Igreja não existe para si, mas para cuidar da vida do povo. Dessa afirmação, poderíamos tirar infinitas conclusões para o processo formativo em nossas paróquias.
Textos da professora Solange Maria do Carmo em parceria com o Pe Orione Silva e que serão publicados em formato de um livro, pela editora Paulus, com o título Catequese permanente: fundamentos e organização.
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