sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Ministério presbiteral: desafios e perspectivas-3

Como vimos na semana passada, nem bem a Igreja se entendeu com a Modernidade e já se vê obrigada a dialogar com um novo tempo, a tão propalada e polêmica Pós-Modernidade. Como dizem sabiamente alguns estudiosos, “não um tempo de mudanças, mas uma mudança de tempo”: uma mudança epocal. Esta mudança epocal não se refere a novas formas de pensar, a novos métodos, a novas tecnologias, onde cada coisa é nova a cada dia, numa velocidade da luz, rápida demais para a estrutura lenta e pesada da Igreja que se formou ao longo desses dois mil anos. Uma mudança que formatou uma sociedade cujos valores precedentes não permanecem mais estáveis e, por isso, não orientam mais o discernimento diante das mudanças. Uma mudança muito significativa, perspicaz, radical, profunda: uma mudança de valores, de paradigmas... Poderíamos dizer “não uma mudança, mas sim uma mutação, algo no DNA das pessoas, no gene da sociedade”. Uma sociedade de tal forma secularizada que não se delineia mais sob o formato cristão, e cujos membros ficam cada vez mais distantes do homem católico forjado pelo modelo da Cristandade. Uma sociedade extremamente secularizada e, ao mesmo tempo – ou talvez por isso! –, tão voltada para o sagrado, que até parece difícil conciliar as duas coisas. Uma sociedade composta de homens e mulheres que não conhecem mais Jesus Cristo, apesar de quase sempre serem batizados, pessoas que não encontram sentido no projeto do Reino de Deus, não se identificam com a proposta do evangelho; pessoas para quem o evangelho perdeu sua força, sua identidade, uma multidão de batizados que não entendem mais a Igreja como mãe. Uma mutação que afeta, sem dúvida, o novo modelo de presbítero e o público alvo de sua ação: o povo em geral e, em especial, os membros das comunidades católicas.

A pergunta “Quais as características principais que o povo espera encontrar num presbítero hoje?” – ou, em outro formato, “Que modelo de presbítero o povo deseja para suas comunidades?” –  parece encontrar um ensaio de resposta na observação do público alvo que espera esses presbíteros. Quem é essa gente? Uma minoria – que dá a impressão de ser ainda muito grande, especialmente no Brasil, país de maioria absoluta católica. São sobreviventes da grande tribulação da secularização, que arrancou milhares de pessoas de nossas Igrejas – especialmente os mais cultos, mais ligados à questão da razão, os pensadores, os intelectuais, os que têm opinião própria, os que acreditaram na grande utopia da razão. Outros são sobreviventes da grande cruzada dos neopentecostais, que arrastou multidões, especialmente de pobres, migrantes, sofredores, desempregados para todo tipo de denominação na esperança de encontrar alento para seus penares. Alguns são sobreviventes da sutil e capciosa investida das seitas orientais ou do espiritismo kardecista: pessoas quase sempre bem estabelecidas financeiramente, que procuram um nirvana, um alento, um consolo no meio do vazio de suas posses.

Parece-me que a Igreja perdeu os ricos para o espiritismo e as religiões orientais; os intelectuais da classe média alta para a secularização e o ateísmo; os pobres para os movimentos pentecostais e as igrejas da teologia da prosperidade. Sobrou um resto, quase sempre da classe média baixa: pessoas que insistem em acreditar contra toda descrença; pessoas que lutam bravamente contra o ateísmo que ronda suas mentes e que prosseguem à procura de respostas teológicas que nunca vêm; homens e mulheres que anseiam pela experiência de Deus, que, quando oferecida, quase nunca é suficiente para ajudá-los a enfrentar a dureza da vida e o sofrimento que ela lhes impõe; uma grande maioria sem identidade católica, com uma fé plural, quase sempre feita da bricolagem de elementos diversos de religiões e filosofias de vida bem distintas; outro grupo feito de católicos tradicionais, que se mantêm fiéis à tradição recebida, ainda que não saibiam muito bem por que ainda são católicos. Uma multidão secularizada, mas com rasgos de religiosidade popular e fé, que ainda dá visibilidade a nossas Igrejas.

O que estes heróis da resistência esperam do ministro ordenado que a Igreja lhes destina?  Essa é uma boa pergunta, mas deixemos isso para a próxima semana.

SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)

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