Primeira leitura: Isaias 62,1-5
As nações verão então tua vitória, e todos os reis teu triunfo
Salmo responsorial: 95(96), 1-2a.2b-3.7-8a.9-10a.c (R.1a.3b)
Cantai ao Senhor um cântico novo, a todos os povos as suas maravilhas
Segunda leitura: 1 Corintios 12,4-11
Há diversidade de dons, mas um só Espírito
Evangelho: João 2,1-11
Fazei o que ele vos disser
A vida de Jesus desenvolveu-se dentro da normalidade própria do ambiente cultural e da religiosidade de um judeu do primeiro século de nossa era. Os discípulos descobrem Jesus como um homem normal, em um ambiente natural e o seguem sem nenhum tipo de manifestação espetacular ou extraordinária. Esta realidade de uma vida normal em Jesus, faz com que entre os discípulos e ele não haja nenhum tipo de distanciamento, antes ao contrario, uma vida verdadeiramente humana como a de Jesus, faz com que sua experiência do Deus seja mais fidedigna e muito mais acessível à consciência e à vida dos que os escutam e o seguem. A atitude de Jesus, sem nenhum tipo de pretensão, vai revelando uma nova imagem e um novo conceito de Deus.
Deus deixou de ser um ser estranho e longínquo que atemoriza o ser humano, e toma a característica do Deus original de Israel, o Deus que caminha com seu povo. Para a lógica do Evangelho de João, o Banquete é um tema fundamental em sua teologia. A teologia do banquete abre a missão de Jesus em Caná da Galiléia e conclui sua missão com outro banquete: a última ceia, fundamento da Eucaristia. O banquete é, portanto, um sinal messiânico; a partir dele se anuncia a chegada do Reino e se apresenta Jesus, Soberano do Reino. É um símbolo fundamental que explica a cotidiana presença do Reino no meio da historia. As bodas de Caná estão no imaginário dos primeiros cristãos e de toda a Igreja ao longo da historia, por essa situação inesquecível: no melhor da festa, o vinho acaba. Como é possível que não se tenha previsto esse detalhe na festa?
A atitude de Jesus de Nazaré, frente à carência de vinho, fará com que este relado das bodas fique imortalizado na simbologia cristã. O milagre das bodas em Caná não é simplesmente ausência de vinho. O assunto é mais amplo: o relato deve ser entendido na perspectiva do Reino, na dinâmica do tempo messiânico. O texto explica que havia ali, em um lugar na casa, seis talhas de pedra, vazias. O texto enfatiza que estão vazias. São talhas destinadas a conter a água da purificação ritual dos crentes judeus. Porém estão secas. Este símbolo indica a secura em que se encontra o modelo religioso judeu.
Na visão dos primeiros cristãos, que acabaram separando-se do judaísmo, da lei judaica, em vez de ajudar, acabou dificultando a relação de Deus com seu povo. A lei estava vazia, sem sentido, e só gerava cargas e não possibilitava a liberdade e a alegria. As talhas, destinadas à purificação, eram um símbolo do domínio da lei antiga. Esse modelo de lei criava com Deus uma relação difícil e frágil, intermediada por ritos frios e carentes de sentido.
Contudo, não se diz que as talhas estivessem com água. São enchidas quando Jesus ordena. Estando cheias, as talhas, que não tinham já nenhuma serventia, ao contrário, eram um estorvo na vida normal das pessoas, permitem agora uma nova manifestação do projeto de Jesus: a água está se convertendo em vinho. Que indica este sinal? O ritualismo, o legalismo, a norma fria e vazia é transformada em vinho, símbolo da alegria messiânica, da festa da chegada do tempo novo do Reino de Deus. Temos que acabar, em nossa vida pessoal e na comunitária, com os sistemas religiosos desumanizantes, para entrar na dinâmica libertadora, que includente e festiva, que Jesus inaugurou.
Complicada esta interpretação? Efetivamente, é complicada, com a complicação que brota de um texto sofisticado, muito elaborado, com toda uma serie de alusões veladas e mensagens simbólicas. Ler, proclamar, comentar o evangelho de João como se fosse uma simples historia de bodas, na qual Jesus funda também o sacramento do matrimonio, sem mais complicações seria uma leitura fácil e cômoda, porém seria profundamente carente de veracidade.
Ainda que seja mais laborioso e menos grato, é melhor tratar nossos ouvintes como adultos, e não economizar a complexidade de textos que, interpretados diretamente ao pé da letra, nos levariam somente pelos caminhos do fundamentalismo.
FONTE: PORTAL CLARET
MARCADOR: LITURGIA
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