sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Evangelização: missão e desafio - 12


Hoje vamos continuar a refletir sobre as propostas mais frequentes encontradas nas comunidades católicas  no desejo de responder aos desafios pastorais mais recorrentes. Já lembramos 4 delas: a volta à piedade, o endurecimento da lei cristã, o retorno à ortodoxia, a valorização da pessoa.

Vejamos agora mais alguns caminhos propostos.
e) Os métodos organizacionais

Quando um olhar mais questionador é lançado sobre a Igreja e seu funcionamento, logo se percebe que, apesar de parecer uma grande empresa, ela não funciona como tal. Além das diferenças ligadas ao âmbito teológico que a define como obra de Deus, falta profissionalismo, organização, gerenciamento. Um grupo de voluntários de boa vontade se ajunta para fazer o que dá e o que pode, mas nem sempre há formação adequada para o trabalho. Então, percebe-se que não há equipes suficientes para tantas tarefas distintas. E se conclui que é preciso fazer um organograma, dividir as tarefas, organizar os grupos, colocar líderes nas equipes, fazer um amplo e vasto planejamento de atividades. Um esforço enorme é despendido na organização. Há equipes para tudo. E elas vão se ramificando do nível nacional para o estadual, depois, para o da província, o da diocese, o da paróquia, o da comunidade menor. Todas as equipes devem estar conectadas e cadenciadas numa rede de comunicação organizacional para que as atividades pastorais funcionem a contento.

Ilustra bem essa vertente a história da Projarca. Conta a fábula que, certo dia, a divindade chamou o rei do céu para dar-lhe uma ordem. Ele deveria construir uma grande arca dentro de um mês. O rei imediatamente falou com um amigo, e eles foram atrás de um velho fabricante de arcas, que já havia trabalhado para o bisavô do soberano. Um dos sábios que assessorava o rei ficou receoso de confiar tão nobre missão a um homem já tão velho e sugeriu formar um grupo para coordenar o programa de fabricação da arca: o Projarca. O rei se viu meio sem alternativas e concordou. Dentro de quinze dias, o ancião já tinha providenciado madeira para seu trabalho, mas os técnicos da Projarca duvidaram da qualidade do lenho. Houve atritos, fizeram uma equipe de trabalho, a Peskarca, que operaria no mercado, inclusive tornando lucrativa a atividade de construção da arca. Entretanto a Peskarca não podia ficar subordinada a um grupo de trabalho; criou-se a superintendência chamada Superarca. Dela foi criada a Imarca – para defender a imagem da Superarca. Fizeram fluxogramas. Dispensaram o velho fazedor de arcas. Criaram a Comarca – uma companhia de economia.

Passados os trinta dias combinados, o rei foi chamado à presença de Deus. Depois de longa negociação, o rei ganhou mais quinze dias de prazo para terminar a arca. Disse que tinha vinte e cinco mil funcionários trabalhando na obra, só a montagem ainda não tinha sido iniciada, mas já tinham arrecado um valor considerável de dinheiro.

O rei apressou seus sábios, que logo criaram um grupo interministerial para orientar o trabalho. Trabalhou-se dia e noite e, passado o tempo previsto, tinham pregado a primeira tábua da arca propriamente dita, o que foi acompanhado por uma cerimônia, com cobertura da Gazeta da Coroa e tudo mais. Na manhã seguinte, o rei ficou sabendo que deveria pedir mais tempo a Deus. Tentou nova audiência, mas só conseguiu ser atendido por um santo. Argumentou como pôde, mas nada. Deus estava irredutível. O santo não estava autorizado a dar mais tempo.

Descendo para seu reino, o rei sentiu uma garoa fina começando a cair. Três dias depois continua chovendo. A inundação foi tomando conta de todo o país. A corte reuniu-se já com água na cintura. Um dos sábios mais espertos viu ao longe uma arca se aproximar. E Disse: “Parem aquela arca! De quem aquela arca?” O rei respondeu: “Não adianta. Ela não vai parar. É do velho Noé, que trabalhava para meu bisavô!” E Noé, que em sua arca só levava bichos, seguiu em frente. Eis um caso em que o “equipismo”, em vez de ajudar, atropelou o processo e impediu os resultados almejados.

Sem dúvida que a passagem do espontaneísmo para uma pastoral organizada, pensada, planejada representa um avanço inquestionável.

É fato inconteste que a Igreja carece de melhor organização. É uma instituição grande demais para contar apenas com um grupo amador, que trabalhe na base da improvisação. Isso diz respeito a todos os campos pastorais: desde a celebração da liturgia ou a administração paroquial, até tarefas sociais. O agente de pastoral, normalmente, aprende um pouco na base de erro e acerto. Confia em Deus que o chamou e o capacita para a sua obra. Mas não basta só isso. Um pouco de preparo e de organização só pode ajudar na execução das tarefas. Mas, algum cuidado é necessário em relação a essa onda organizacional. Afinal, a Igreja tem seu lado institucional, como uma empresa, mas ela é muito mais que isso. Ela é movida e guiada pela presença do Espírito de Deus que sempre sopra sua novidade e não aceita as molduras estreitas de organizações muito pesadas.

Há uma tendência na Igreja atual de cair no “equipismo” que surge da confusão entre pastoral de conjunto e conjunto de equipes pastorais. Pastoral de conjunto é um trabalho feito em clima de comunhão eclesial, sem engessar a criatividade e a liberdade que os líderes devem ter diante de sua realidade. Quando há um engessamento e as equipes se multiplicam, perdem seu real objetivo e passam a ter importância por si só e não pelo trabalho que realizam, então está configurado o “equipismo”. Organizam-se equipes para tudo. Fluxogramas e organogramas são feitos com antecedência. Antes que o ano se finde, já é preciso ter toda a programação do ano seguinte, para constar na agenda da diocese. Todas as equipes têm de estar formadas. Todos os nomes devem ser escolhidos para as devidas funções e constar no organograma. Tudo organizado! Tudo programado! Virou piada, mas é caso concreto a história daquele bispo que criou uma equipe diocesana de liturgia. Ao ser questionado sobre isso, pois a equipe não funcionava, ele respondeu que a equipe não precisava funcionar. Cada um cuidava da liturgia em sua paróquia. Só fez uma equipe para mandar os nomes para as instâncias superiores. Só assim ele pararia de receber cartas dos setores regional, estadual e nacional, cobrando esse feito.

A que ponto chegou a mentalidade organizacional na Igreja! O que faz pensar é que tanta organização arrisca a consumir energias, gastar dinheiro, despender tempo e os melhores esforços humanos para, ao final, resultar numa pastoral engessada, sem criatividade e com um belo organograma na parede, mesmo que os resultados não sejam atingidos como no caso da anedota da arca.
 f) A realização psicológica

Todos buscam a felicidade. Isso é comum no ser humano. Todos se esforçam para vencer suas mazelas e conquistar um nível mais elevado de realização pessoal. Sendo assim, a pastoral não deveria ser organizada em torno deste princípio? O padre e os demais líderes não deveriam ser especializados em psicologia para melhor ajudar o povo? Afinal, nas cidades pequenas principalmente, o povo não tem acesso ao psicólogo ou psiquiatra com tanta facilidade, e o padre acaba atuando um pouco nesta área, ainda que não queira. Como enfrentar isso?

Diante dessa realidade, algumas pessoas acham conveniente adotar o discurso da mística psicológica. Transformam a boa-nova de Cristo num discurso de auto-ajuda, geralmente simplista. O argumento é que falta formação humana, que homem e mulher estão vivendo hoje uma crise existencial profunda: daí, sentem-se perdidos, desnorteados e, por isso, a Igreja também está confusa, sem identidade.

De fato, não resta dúvida de que a crise da sociedade se reflete na Igreja. O ser humano deprimido e frustrado, que vem à comunidade de fé, precisa ser restaurado, curado; precisa encontrar seu centro. Mas uma religião de auto-ajuda não dá conta de responder aos desafios do mundo. O ser humano não vai conseguir superar todo mal e viver no paraíso. Precisa aprender a lidar com as derrotas, os fracassos, a doença e o sofrimento em geral.

Conclusão

O pluralismo da atualidade se reflete na Igreja. Católicos com perfis muito diferentes convivem na comunidade eclesial. Os conflitos são grandes. Cada grupo procura soluções para a crise. Mas o quadro é bastante complexo. A pluralidade de eclesiologias presentes no interior da Igreja leva a discursos bem distintos, que acabam desembocando em divergências e, até mesmo, em atritos. É bom lembrar que a pluralidade de eclesiologias no interior da Igreja é, sem dúvida, uma riqueza. Desde o começo do cristianismo, essa pluralidade esteve presente no seu interior (cf. BROWN, Raymond E. As Igrejas dos apóstolos. São Paulo: Paulus, 1986). A questão, então, não está na pluralidade, mas na unidade que se vê comprometida, num mundo fragmentado e que, de certa forma, reflete sua fragmentação no interior da Igreja. Os cristãos com formação mais doutrinária e maior rigor moral não conseguem compreender o que entendem como laxismo de alguns. Os católicos mais engajados na vida política e social não conseguem admitir a passividade e paciência dos que se põem a rezar em busca de luzes para os problemas. As pessoas que têm visão mais administrativa e organizacional não toleram a administração improvisada à base da boa vontade e da intuição. Os católicos com tendência mais mística e espiritual não admitem o ativismo dos mais apressados que querem logo colocar a mão na massa. Algumas pessoas mais idosas, formadas na doutrina que vem dos catecismos de Trento, não toleram a teologia recente com suas novas elaborações.

Como lidar com isso? O que fazer no interior de uma Igreja que tem discursos e práticas pastorais tão díspares? Como podem conviver harmoniosamente o novo e o velho, com respeito às diferenças? Um eterno desafio que não pode ser ignorado está diante de nossos olhos. Resta ter sensibilidade para perceber os sinais de Deus na história e coragem para abraçar as novidades do Espírito. Que o Deus de Jesus Cristo, presente na história, nos guie nesta jornada!


SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)

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