sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

ESAÚ E JACÓ: ELOGIO À ESPERTEZA E À TEIMOSIA-2



Uma saga de trapaças

Como vimos na semana passada, a história de Esaú e Jacó é uma parábola sobre a sagacidade e a perseverança, descrita em forma de uma saga que envolve os patriarcas de Israel. Uma trapaça sucede outra e a história nos envolve de tal forma que não conseguimos parar de ler o texto. Em oito pequenos capítulos, como de uma novela, vamos ver como essa trama se desenrola. A cada semana, apenas dois capítulos serão narrados. Você vai ter que esperar a próxima semana para ver os capítulos seguintes. Acompanhe conosco!

Capítulo 1: Tudo começa no ventre da mãe

A interessante saga de trapaças que o livro do Gênesis relata começa como deve ser entre os judeus: a árvore genealógica cuja raiz é Abraão, o pai da fé (cf. Gn 25,19-21). A genealogia de forma descendente, bem ao modo judaico, conta que Abrão gerou Isaac, de Sara. E Isaac gerou Esaú e Jacó, de Rebeca. Mas a confusão entre esses dois irmãos é mesmo antiga: “os meninos se chocavam no ventre materno” (Gn 25,22). E Rebeca, indignada com aquele fuzuê na sua barriga, foi reclamar com o Senhor que lhe disse: “Duas nações trazes no ventre; em tuas entranhas, dois povos se dividirão. Um povo será mais forte que o outro, e o mais velho servirá ao mais novo” (Gn 25,23). Palavra bastante inusitada: o mais velho servir ao mais novo. Fica evidenciada uma inesperada troca de valores e o leitor já começa avisado de que a história que ele vai encontrar daí para frente não é nada linear: tem muita surpresa pela frente. Quanta imaginação, quanta beleza! Na linguagem simbólica das crianças brigando no ventre, o autor mostra a determinação de Israel, sua capacidade de luta, e explica a antiga rixa entre os povos israelita e edomita. É a força da literatura. Ele certamente perde em precisão – que teria com uma linguagem mais técnica, positiva, estilo relato biográfico –, mas ganha em significado. É a força do símbolo, da metáfora que perpassa todo o texto.
E dito e feito! “Quando chegou o tempo de dar à luz, Rebeca tinha gêmeos no ventre”. O primeiro saiu todo vermelho – ruivo, peludo como um manto de pele, e foi chamado Esaú (que quer dizer veludo ou vermelho). Depois saiu o irmão, segurando com a mão o calcanhar de Esaú. Notem a sutileza dos detalhes! E este foi chamado Jacó (que quer dizer calcanhar, tomando então o sentido de suplantador, aquele que passa o outro para trás, que pega no calcanhar do outro). Com uma dose extraordinária de humor, o autor antecipa o que vai se dar logo à frente: Jacó pega no pé de seu irmão até conseguir o que quer. Já está dita aqui a determinação de Jacó que vai aparecer ao longo de todo o relato.

b) Capítulo 2: A primeira grande trapaça: vender o direito de primogenitura

E, quando os meninos cresceram, a inimizade não se desfez: o mais velho era homem rude, caçador, vivia correndo pelo mato atrás de caça, era o preferido do pai; o mais novo, caseiro (habitava em tendas), pacífico, era o queridinho da mamãe (cf. Gn 25,27-28). Até que certo dia, Esaú chegou da caça, sem nada na mão. Seu esforço havia sido inútil; afinal um dia é da caça, outro do caçador. Que azar! Esse dia era mesmo da caça. Esaú estava morto de fome e seu irmão Jacó havia preparado um prato de lentilhas. Ele disse a seu irmão: “Dá-me desse negócio que você fez aí”. O suplantador não perdeu tempo. Pensou: “É hora! Conheço meu irmão. Ele é primário, inconstante, irresponsável... Vai ser agora que eu consigo a primogenitura!” E disse: “Tudo bem! Minha sopa em troca do direito de primogenitura!”. E o irmão fechou negócio, sem pensar duas vezes, vendeu o direito de primogenitura, desdenhou o dom recebido, dizendo: “Estou morrendo de fome. De que me serve o direito de primogenitura, se ele não enche barriga?”. Jacó nem acreditou e perguntou de novo: “Jura?”. E Esaú jurou e vendeu o direito de primogenitura. Ficou selado o acordo. Jacó ficou tão feliz que deu a Esaú pão para acompanhar a sopa. “Havia sido um belo negócio!”, pensou ele satisfeito. Esaú comeu, bebeu e foi-se embora como se nada de grave tivesse acontecido. Mas o autor adverte: “Esaú desprezou assim seu direito de primogenitura” (cf. 25,27-34).
Vender o direito de primogenitura desponta no cenário bíblico não só como grande tolice, mas como a maior de todas as trapaças. Vender o direito de primogenitura é vender algo que não lhe pertence, já que esse direito diz respeito à liderança de todo o clã e não só ao primogênito. Não é só irresponsabilidade; é tirar proveito de um bem que não é só seu. É corromper-se, é vender-se, é trapacear toda a sua gente, passá-la para trás, desdenhar seu pai e sua mãe que nele confiam e dele esperam correspondência ao dom recebido. E mais, é tentar trapacear Deus, de quem vem esse direito e que é quem abençoa o primogênito. E tudo por um prato de sopa! Mas a burrada já estava feita e ele nem desconfiou disso, tamanha sua lerdeza.
Esaú segue seu percurso, tomando uma decisão precipitada atrás da outra, provando sua inabilidade para a liderança do clã e sua incapacidade de acolher o dom da primogenitura. A próxima bobagem que ele faz é casar-se com mulheres gentias. Isso vai causar sérios aborrecimentos aos seus pais (Gn 26,34-35). Parece que esse Esaú não é mesmo confiável. Não está nem aí para as leis de sua gente, para os costumes e valores de seu povo.

Veja na próxima semana o que nossos personagens vão aprontar!


Solange Maria do Carmo


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