De novo a história de Esaú e Jacó, nossos antepassados! Hoje você vai “assistir” o capítulo final da novela. Mas ela não termina. Continua na vida da gente que insiste e teima em seguir o Senhor, mesmo em meio a tantos atropelos da vida.
Capítulo final: Hora de recomeçar
De volta para sua terra natal, Jacó não é mais o mesmo de antes. Agora, mais curtido pela vida e mais experimentado pela dor, Jacó é Israel, o homem que viu Deus. Ao encontrar Esaú, os servos lhe oferecem presentes em nome do patrão e lhe relatam suas boas intenções. Já havia passado muito tempo: Esaú se instalara naquelas bandas e já não recordava mais de tanta trapaça. Ele, depois de insistente pedido de Jacó, aceita os presentes de seu irmão e, de novo, a questão polêmica é resolvida com pequenos agrados, como no tempo do prato de lentilhas. Jacó tornou-se Israel, ficou mais forte e mais determinado com o passar dos anos. Esaú parece continuar o mesmo: nada de novo, seu nome é o mesmo, sua vida é a mesma.
Jacó se estabelece em Canaã e daí só vai partir quando, depois de tempos de penúria por causa de grande seca, ruma com sua família para o Egito à procura de alimentos. Fim do ciclo de Jacó.
Conclusão: Amei Jacó e odiei Esaú ou amei Esaú e odiei Jacó?
Na leitura cotidiana dos relatos da Escritura, não é incomum encontrar quem odeie Jacó e defenda Esaú como a vítima trapaceada. Bem diferente do que diz Deus por meio do profeta Malaquias: “Amei Jacó e odiei Esaú” (Ml 1,2-3). Mesmo levando em consideração a delicadeza necessária na interpretação dessa antítese, amar um e odiar outro, presente em Malaquias, ressoa extravagante aos nossos ouvidos, mais uma vez, a Escritura elogiar Jacó como o queridinho de Deus, enquanto que Esaú parece menos digno de consideração. Depois de tantas espertezas, quem diria?
Tudo começa com o corriqueiro e equivocado conceito de inspiração que faz parte do senso comum. Compreender inspiração como ditado de Deus não nos permite ler os relatos da Escritura como literatura, cheia de detalhes, ironias, sarcasmos, gozações... Com isso, perdemos o melhor da piada: o tom do humorista. Nosso pietismo religioso e nossa vertente quase cátara do cristianismo não nos permitem espertezas. É preciso ser um santo tolo e ingênuo, um santo fraco e frouxo, que se deixa trapacear e se põe a chorar pelo leite derramado, como se fosse uma vítima da sorte, um grande azarão com quem a vida e Deus não contribuíram. Bem disse Mateus, em sua constrangedora parábola do administrador infiel, que “os filhos do século são mais espertos que os filhos da luz!”. Enquanto os fracos choram a sorte, os fortes lutam por aquilo em que acreditam e mudam os rumos da história. Foi bem assim com Jacó e com o povo de Israel, que desde cedo se reconheceu em Jacó, o verdadeiro filho primogênito de Deus. O povo de Israel não tem dúvidas. Jacó tem brios na cara – é vermelho de vergonha – e Esaú é o verdadeiro suplantador. Os nomes equivocados apresentados pelo autor aos respectivos personagens revelam mais uma vez sua genialidade e capacidade narrativa. O ciclo de Jacó é um relato teológico perfeitamente desenvolvido dentro de categorias literárias fascinantes. Por meio de tramas da escrita, a experiência de Deus que o povo judeu faz ao longo do tempo se torna narrativa, Escritura, e as novas gerações aprendem a percorrer os caminhos dos antepassados. Deus irrompe na história e, na força da literatura, se revela, deixando clara a experiência de fé de seu povo.
A todos que hoje refletem conosco sobre a narrativa de Esaú e Jacó, desejo a esperteza e a teimosia de Jacó para seguirem em frente driblando os atropelos da vida e para prosseguirem sua caminhada na fidelidade ao Deus da vida.
Solange Maria do Carmo
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