sexta-feira, 3 de junho de 2011

A linguagem catequética


Outro ponto de estrangulamento de nossa catequese tem sido a dificuldade de traduzir a reflexão teológica, tão ampla e generosa, numa linguagem catequética que fale, de fato, ao coração dos catequizandos.
Entendemos aqui por linguagem catequética a comunicação entre catequistas e catequizandos. Essa comunicação tem sido bastante confusa porque tem se baseado em categorias que já deviam ter sido superadas, em razão de todo o avanço da reflexão teológica.
A pergunta que todo catequista se faz é mais ou menos a seguinte: “Como vou traduzir a teologia catequética – presente em tantos documentos bonitos da Igreja – em linguagem que se preste à comunicação com os catequizandos?”.
O catequista, cheio de boa vontade, vai a um encontro e lá aprende que a catequese precisa assumir as angústias do homem moderno. Mas quando o catequista volta à paróquia e se vê diante de sua turma, ele se sente perdido e interroga a si mesmo: “Como é que se assume a angústia desses catequizandos?”. Ou ainda: “A catequese precisa valorizar profundamente a dimensão afetiva da pessoa, mas, na prática, o que preciso fazer, na hora do encontro, para valorizar essa tal de dimensão afetiva?”.
A questão que parece precisar de esclarecimento é a seguinte: “A quem compete fazer essa tradução da reflexão teológica em linguagem catequética?” Em nossa opinião, isso é função dos roteiros catequéticos. Esses roteiros têm o objetivo de organizar pedagogicamente a fé que a catequese deseja transmitir, pois a catequese lida em primeiro lugar com a transmissão da fé.
Com relação aos roteiros, há pelo menos dois problemas:
Primeiro: a fobia de roteiros. Em muitos lugares, há um preconceito contra roteiros. Uma verdadeira roteirofobia. Dizem que não se pode dar tudo pronto para o catequista, que o catequista não pode se contentar com uma catequese livresca, que nenhum roteiro é completo, e por aí vai. Esse modo de pensar pode até ter certa razão. Mas parece que os roteiros acabam sendo importante auxílio pedagógico para a prática da catequese. Se cada catequista tiver que pesquisar e preparar encontros, partindo somente de suas teorias e sua prática eclesial, sem um instrumento didático, então a catequese jamais será sistematizada e orgânica, além de correr o risco de não transmitir a genuína fé da Igreja, professada, celebrada e vivida pela comunidade Igreja. Não é que não valorizemos o catequista. É até o contrário. Não é justo exigir dos catequistas, infelizmente tão mal formados, que dêem conta de preparar roteiros catequéticos. A teologia popular é bela, mas é insuficiente para dar conta dos desafios da sociedade hoje. Uma fé baseada na religiosidade popular, em práticas devocionais e em teologia pouco aprofundada não responde mais aos anseios das pessoas que querem de fato fazer sua experiência cristã e dar as razões de sua fé. Tudo isso, sem contar que nossos catequistas, em geral, não têm também formação pedagógica, não têm noções tão profundas de psicologia, de sociologia, de antropologia, etc. E mesmo que fossem tão bem formados – o que é um sonho – poderiam se beneficiar muito de um roteiro que organizasse metodologicamente a fé que a Igreja professa, celebra e vive, tudo isso dentro das categorias que as reflexões catequéticas vão pontuando nos documentos. Não se trata de dar tudo pronto, como se o catequista fosse incapaz. Trata-se de oferecer subsídios que contemplem a transmissão da fé da Igreja. E isso tudo de forma mística, lúdica e bela, com celebrações, brincadeiras, reflexões, partilhas, músicas, orações, de forma que a fé da Igreja seja professada, celebrada e vivida em toda sua potencialidade pela turma de catequese.
Segundo: a linguagem dos roteiros. Outro problema que surge com os roteiros existentes, pelo menos com grande número deles, é que utilizam ainda categorias antigas para falar de coisas novas. Há uma distância enorme entre as reflexões teológicas e o conteúdo de certos roteiros oferecidos aos catequistas. A maior parte dos roteiros ainda centraliza a catequese nos sacramentos, não indo muito além do esquema Dogma-Bíblia-Igreja. Então, o catequista encontra nos documentos reflexões modernas, mas ao dar seus encontros vai partir do roteiro e não das teorias. Esse descompasso entre reflexão teológica e roteiro didático é outro ponto por onde nossa catequese se derrama.
Julgamos importante elaborar roteiros pedagógicos que assumam novas categorias para trabalhar a transmissão e o amadurecimento da fé. Isso não é fácil nem tranqüilo, porque os pastores da Igreja se assustam quando pegam determinados subsídios catequéticos e não enxergam de imediato os sete sacramentos, os dez mandamentos, os sete pecados capitais, as orações dos cristãos e coisas assim.
Do ponto de vista pedagógico, sabemos que uma linguagem codificada em categorias antigas terá dificuldade de penetrar no coração dos catequizandos. Mas tudo é questão de código. Isso é admitido com tranquilidade pelos documentos da Igreja. O estudo da CNBB n. 53 – Textos e Manuais de Catequese – afirma no n. 108: “As formulações da fé têm seus condicionamentos históricos: a mesma fé pode, em situações diferentes, receber formulação diferente. O significado é que deve permanecer”. O mais interessante é que, ao dizer isso, os bispos estão praticamente citando o Concílio Vaticano I, de 1870! Então, é preocupante imaginar que há ainda resistências contra as reformulações da fé. Se não codificarmos nossa doutrina – tão rica! – em linguagem nova, ela permanecerá ininteligível.
Trata-se de transmitir o mesmo conteúdo da fé, a boa-nova de Cristo, mas de um modo tal que ela seja acolhida como algo realmente novo e importante para as pessoas do nosso tempo.

Textos da professora Solange Maria do Carmo em parceria com o Pe Orione Silva e que serão publicados em formato de um livro, pela editora Paulus, com o título Catequese permanente: fundamentos e organização.

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