sexta-feira, 9 de julho de 2010

Catequese no cenário da Pós-Modernidade - 7


           

Outra tarefa urgente à qual a reflexão catequética não pode se furtar é compreender bem a dinâmica do tempo em que se vive. Refletir sobre a mudança epocal é condição para a elaboração de um novo paradigma catequético.

b) 2ª tarefa: Refletir sobre a mudança epocal e a exigência de um novo paradigma catequético.

Já é bem conhecido o debate em torno da questão da Pós-Modernidade. Retomá-la, porém, sob a ótica da catequese parece assunto ainda não esgotado. Não faltam autores, especialmente teólogos, para nos ajudar a perceber as mudanças da sociedade e suas novas exigências no campo da fé.

Intuições importantes acerca desse novo paradigma começam a surgir. Fala-se em “hipóteses para o novo paradigma catequético”1, a saber, uma catequese da proposta e não da herança; uma catequese mais litúrgica; uma catequese da iniciação; e uma catequese que comporte uma apresentação orgânica, mas não-linear, do mistério cristão.

A primeira hipótese encontra bases na teologia, pois a fé cristã é resposta pessoal e livre ao apelo de Deus, por meio de Jesus Cristo. Como lembra Konings,

o ser cristão não se transmite por hereditariedade ou cultura. Exige iniciação e opção. Reconhecemos que uma certa “cultura cristã” pode ser transmitida na esteira da cultura geral (infelizmente também em declínio), mas o crer e o ser do cristão não se transmitem desse modo2.

Além das bases teológicas, o respaldo dessa hipótese nasce da observação da realidade, pois sendo o cenário atual o de um mundo em mudanças onde todas as culturas se intercomunicam e se misturam, torna-se urgente superar a incerteza e clarificar a especificidade e originalidade da experiência crista, de maneira que cada pessoa possa fazer sua opção religiosa com liberdade e convicção.

A segunda hipótese parte do princípio de que é atribuição da catequese favorecer uma experiência vivencial da singularidade cristã, que não é algo ensinado, mas absorvido, degustado, experimentado. Assim, a liturgia – lugar do mergulho dos cristãos no mistério pascal – reivindica centralidade no novo paradigma catequético. Aflora deste modo o caráter celebrativo da fé na catequese: a antiga aula de catequese transfigura-se em encontro com o mistério de Deus em Jesus Cristo pela ação de seu Espírito presente entre nós; e mais: encontro com o mistério da vida humana refletida na presença dos irmãos que partilham conosco essa experiência e de tantos outros que ainda não conhecem essa boa-nova. O material didático – giz, quadro, professor, carteira, caderno e livro da criança – cede espaço ao material celebrativo – oração, partilha, silêncio, meditação, Palavra de Deus, símbolos diversos. A mistagogia alcança primazia sobre a pedagogia: não anulando-a, mas elevando à máxima potência; reabilitando o que a fé cristã tem de mais genuíno: seu caráter mistagógico.

A terceira hipótese, partindo da singularidade da vida cristã como experiência do mistério, propõe a pedagogia da iniciação como método próprio da catequese cristã e obriga a encarar o tão polêmico tema da linguagem ou da gramática da fé3. Konings usa uma feliz expressão quando fala de “‘iniciação atrasada’ para o batizado que deseja assumir conscientemente ou até reiniciar sua vida de fé”4. Se a Igreja escolheu ao longo destes dois mil anos batizar os filhos na fé dos pais e pretende sustentar essa prática neste tempo que se chama Pós-Modernidade, pelo menos ofereça condições aos batizados de conhecerem sua fé, fazendo uma profunda experiência do Deus Vivo no qual eles foram mergulhados pelo batismo. É o mínimo que se espera da Igreja, uma vez que, pelo sacramento do batismo, o fiel se encontra a ela vinculado por laços sacramentais. E que cada pessoa tenha o direito e a liberdade de fazer essa experiência e rejeitá-la, caso ela não lhe pareça convincente ou conveniente para seu momento de vida. O caráter iniciático da fé é respeitoso: partindo do núcleo central da fé – o Deus amoroso que se revelou em Jesus Cristo e atua na Igreja por seu Espírito –, a mãe Igreja toma o fiel pela mão e caminha com ele num processo gradativo e contínuo, como fez Jesus com dois de seus discípulos no caminho de Emaús. Em etapas não-lineares, mas concatenadas e complementares, por meio da Escritura, a catequese oferece a seus destinatários a oportunidade de conhecer e experimentar a presença do Ressuscitado. Cumpre, desta forma, um direito sagrado do qual ninguém pode ser subtraído: o de conhecer Jesus e sua Palavra transformadora, que compromete até às vísceras aquele que com ela se identifica.

A quarta hipótese defende que, em todas as etapas e situações, a catequese cristã comporta um desenvolvimento coerente do mistério cristão5. A catequese como acolhida da revelação do Deus uno e trino comporta também o assentimento da inteligência, uma positividade da qual o homem pós-moderno não abdica e uma originalidade e organicidade que a Igreja conserva e transmite. Não parece mais ser possível pensar o ser humano que passou pela experiência da Ilustração sem esse assentimento da inteligência. A Pós-Modernidade que se nos apresenta não acolhe passivamente a Modernidade com sua centralidade da razão, mas não a dispensa. Assumir a Pós-Modernidade não significa voltar à Pré-Modernidade, num modelo de mundo teocêntrico, onde o argumento da autoridade vigorava e os argumentos da razão não tinham vez, desdenhando o ser humano para a periferia desse círculo. Nem sequer sugere uma catequese light, feita só de músicas e meditações, onde o belo, o lúdico e o místico6 roubam a cena e ocupam o lugar da profecia. A fé cristã comporta elementos de racionalidade e compromisso. Em nome da Pós-Modernidade, a teologia não pode ser desdenhada em favor de uma espiritualidade diluída e sem conteúdo, assim como a profecia – o compromisso com o Reino de Deus – não deve ceder espaço para uma religião egocêntrica e egolátrica. A racionalidade da fé continua presente, não de forma linear e escolar, mas de forma mistagógica. A profecia ganha ainda mais vigor que antes, mas ela passa pelo belo, pelo lúdico e pelo místico, ou não falará mais nada ao homem pós-moderno.
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1 ALBERICH, Um novo paradigma para a catequese, p. 36-40.
2 KONINGS, Ser cristão, p. 15.
3 Cf. MARTÍNEZ ÁLVAREZ, D. Apología de lo iniciático. Opción por una catequesis iniciática. Catequética, v. 48, n. 6, p. 362-375, 2007.
4 KONINGS, Ser cristão, p. 13.
5 Cf. VILLEPELET, Denis. Catequese como iniciação: consequências para a ação catequética. Revista de Catequese, v. 28, n. 110, p. 39-44, 2007; ALBERICH, Emílio. Hacia una “presentación organica” y vital del mensaje cristiano en la catequesis. Catequética, v. 48, n. 5, p. 290-299, 2007.
6 A feliz expressão “o belo, o lúdico e o místico” na catequese vem de uma intuição oportuna de Libanio, que, ao falar sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, lembra a necessidade de resgatar “a estética, o lúdico e a religião” como armas contra a violência e a marginalização. Cf. LIBANIO, J. B. O estatuto da Criança e do Adolescente. Jornal de Opinião. Julho 2008.
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SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE ESTÁ SENDO USADO EM NOSSA DIOCESE)


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