sexta-feira, 14 de maio de 2010

Aprendendo catequese com o autor de Hebreus-3



Impressiona-nos a atualidade do texto de Hebreus. Nesses tempos de Pós-modernidade, a Igreja do Brasil (1)e do mundo, preocupada com a fragilidade da fé dos iluminados pelo batismo, volta seus olhos para a necessidade de concentrar sua força evangelizadora na centralidade da fé: Cristo Jesus, Palavra do Pai, único mediador entre Deus e os homens, cujo sacerdócio, exercido uma vez por todas, introduziu a humanidade na glória definitiva de Deus. Homens e mulheres deste novo tempo chamado Pós-modernidade não conhecem mais esse anúncio, não experimentam mais a eficácia dessa boa-notícia. Para nossa catequese, parece não ser mais suficiente um curso de Primeira Comunhão ou de crisma. É preciso anunciar Jesus, o sacerdote do Pai, aquele que nos une a ele. O que fazer?

Ecoam por todos os cantos vozes imperiosas que percebem essa urgência cristológica. Os bispos franceses falam de “voltar ao coração da fé”(2) , para passar “da herança à proposição da fé”(3) . Conhecedora da realidade da secularização e percebendo que a Cristandade tornou-se página virada, a Igreja francesa deseja anunciar o Cristo vivo e, sabiamente, os cristãos franceses realçam o caráter da adesão livre e pessoal da fé. Insistem, pois, na urgência de recuperar a força transformadora da fé, da boa-nova cristã, que não perdeu seu vigor, nem caducou: Cristo Jesus está vivo e continua interpelando ao seguimento.

 O Episcopado de Quebec(4) fala de ir “do rio à fonte”, de retornar à fonte, relativizando as doutrinas transmitidas tradicionalmente para se fazer a experiência de Cristo Jesus, fonte de toda vida, de “conduzir-se para além das crenças [...], de se esforçar para revelar a experiência espiritual que nasce da vida, que surpreende, que faz entrever o essencial, que desperta, que põe a caminho, que faz viver”. Ventos fortes sopram na direção de resgatar a experiência pessoal com o Ressuscitado, perdida no marasmo da vida cristã tradicional.

 Os alemães(5) falam de “Elementarisierung”(6) , de uma concentração no nó cristológico que permite responder às demandas que interpelam a identidade cristã hoje em dia. Em meio a tanta preocupação com doutrinas e ritos, com intelectualismos e moralismos, a Igreja percebe que a fé quase se perdeu no caminho: foi dissipada como pó ao vento. É preciso agregar de novo os esforços; concentrar-se no núcleo duro da fé, no seu nó fundamental: o evento Cristo.

O texto belga(7) , dando centralidade à mensagem do amor como coração da mensagem cristã, sugere retomar “a mensagem única, o único querigma: Deus, em Cristo, ama até o fim e salva nosso mundo”, uma notícia tão simples e tão elementar, mas ainda não divulgada e acolhida pelos próprios cristãos.

Convidando a essa conversão cristológica, a reflexão catequética atual corrige a tendência unilateral de alguns movimentos catequéticos pós-conciliares que colocaram o acento sobre o caráter central da experiência humana na caminhada da fé, como se fosse possível se chegar à fé unicamente fazendo uma reflexão mais profunda acerca dos mistérios. Um esforço que merece reconhecimento e cujos efeitos ainda hoje são sentidos na catequese. Uma virada copernicana se deu, passando de uma realidade totalmente teocêntrica para um antropocentrismo teológico. A renovação catequética trouxe a superação do período catequístico, que fazia uso dos catecismos e dava importância à memorização das fórmulas. Na América Latina, então, nem se fala! Uma leitura criteriosa do evento Vaticano II, motivada pelas Conferências Episcopais, deu amplo espaço à renovação catequética, que ganhou vida e tomou corpo no Brasil com o documento Catequese Renovada da CNBB, em 1983 (8) .

 Uma revolução catequética começava a despontar: novo modelo teológico, com vertente mais antropológica, ocupava o lugar cativo da teologia descendente. A pedagogia do ensino – entendendo o destinatário da catequese como uma tabula rasa – abria espaço para a pedagogia da aprendizagem, alicerçada em Piaget ou no brasileiríssimo pedagogo dos pobres, Paulo Freire. Uma visão muito otimista da humanidade! Uma catequese que se propõe a revelar aos catequizandos o que eles têm neles, mesmo sem o saber, fazendo uma conexão entre fé e vida. Uma pedagogia muito indutiva: o encontro com Deus realizado a partir da vida, da experiência concreta à luz da Palavra da Escritura (9). E quanta conquista se deu: quantos desafios enfrentados com sucesso, quanta encarnação especialmente na realidade latino-americana que só podia desembocar em avanços.

Acontece, porém, que a fé não é conclusão lógica de uma meditação sobre o sentido da existência ou sobre o mistério da realidade, como disseram com propriedade os bispos da Bélgica. A fé é adesão a Jesus Cristo e sua proposta do Reino, é amor incondicional a ele, como ele nos amou. A reflexão acerca da realidade certamente ajuda a perceber onde está o xis da questão: o que distancia nossa vida do projeto de Deus para a humanidade, o Reino anunciado e realizado por Jesus. Mas a vida compreende tramas muito mais complexas e exigentes que uma transformação social poderia provocar, mesmo que provocada por motivações evangélicas.

Diversos outros documentos elaboram a mesma performance. A lógica do processo de fé inclui necessariamente a experiência da salvação, realizada em Cristo Jesus, único sacerdote e mediador. Essa experiência se apresenta como exigência intrínseca da novidade da fé. E, como consequência, a quem já experimentou a vida de fé, advém o desejo de compreender e de aprofundar os mistérios cristãos. A experiência do Nazareno morto e ressuscitado, que entra no Santuário celeste para fazer o único e definitivo sacrifício, reclama a inteligência da fé, em função do mergulho no mistério que ela realiza (mistagogia). O que não elimina, é claro, a tarefa do ensinamento e da aprendizagem, uma vez que estes têm dimensão didática. Assim, a catequese prioriza o conhecimento de Cristo, e não de uma doutrina ou até mesmo da mensagem cristã (10) , cuja acolhida não vem pela cognição, mas pela adesão que passa pela via do coração. Mas sobre isso falaremos melhor no próximo número. Continuamos esse tema na semana que vem.

1-Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório Nacional da Catequese. São Paulo: Paulinas, 2006.
2-COMMISSION ÉPISCOPALE DE LA CATÉCHÈSE DU CATÉCHUMÉNAT. Aller ao coeur de la foi. Questions d’avenir pour la catéchèse. Paris: Boyard/cerf/ Fleurus-Mame, 2003.

3-LES ÉVÊQUES DE FRANCE. Proposer la foi dans société actualle: Lettre aux catholiques de France. Paris: CERF, 1997.

4-ASSEMBLÉE DES ÉVÊQUES DU QUÉBEC. Proposer aujourd’hui la foi aux jeunes, une force pour vivre. Montréal: Fidel, 2000.

5-DIE DEUTSCHEN BISCHOFE. Katechese in veranderter Zeit. Bonn: Sekretariat der Deutschen Bischofskonferenz, 2004.

6-Que literalmente significa “ato de tornar elementar”.

7-Devenir adulte dans la foi. La catéchèse dans la vie de l’Eglise. Bruxelles: Licap, 2006.

8-Cf. CNBB. Catequese Renovada: orientações e conteúdo. Documento 26. São Paulo: Paulinas, 1983.

9-Cf. VILLEPELET, Deschristianisation , p. 370.

10-Se essa é entendida como conjunto de ensinamentos evangélicos.

SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)


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