Impressiona-nos a atualidade do texto de Hebreus. Nesses tempos de Pós-modernidade, a Igreja do Brasil (1)e do mundo, preocupada com a fragilidade da fé dos iluminados pelo batismo, volta seus olhos para a necessidade de concentrar sua força evangelizadora na centralidade da fé: Cristo Jesus, Palavra do Pai, único mediador entre Deus e os homens, cujo sacerdócio, exercido uma vez por todas, introduziu a humanidade na glória definitiva de Deus. Homens e mulheres deste novo tempo chamado Pós-modernidade não conhecem mais esse anúncio, não experimentam mais a eficácia dessa boa-notícia. Para nossa catequese, parece não ser mais suficiente um curso de Primeira Comunhão ou de crisma. É preciso anunciar Jesus, o sacerdote do Pai, aquele que nos une a ele. O que fazer?
Ecoam por todos os cantos vozes imperiosas que percebem essa urgência cristológica. Os bispos franceses falam de “voltar ao coração da fé”(2) , para passar “da herança à proposição da fé”(3) . Conhecedora da realidade da secularização e percebendo que a Cristandade tornou-se página virada, a Igreja francesa deseja anunciar o Cristo vivo e, sabiamente, os cristãos franceses realçam o caráter da adesão livre e pessoal da fé. Insistem, pois, na urgência de recuperar a força transformadora da fé, da boa-nova cristã, que não perdeu seu vigor, nem caducou: Cristo Jesus está vivo e continua interpelando ao seguimento.
O Episcopado de Quebec(4) fala de ir “do rio à fonte”, de retornar à fonte, relativizando as doutrinas transmitidas tradicionalmente para se fazer a experiência de Cristo Jesus, fonte de toda vida, de “conduzir-se para além das crenças [...], de se esforçar para revelar a experiência espiritual que nasce da vida, que surpreende, que faz entrever o essencial, que desperta, que põe a caminho, que faz viver”. Ventos fortes sopram na direção de resgatar a experiência pessoal com o Ressuscitado, perdida no marasmo da vida cristã tradicional.
Os alemães(5) falam de “Elementarisierung”(6) , de uma concentração no nó cristológico que permite responder às demandas que interpelam a identidade cristã hoje em dia. Em meio a tanta preocupação com doutrinas e ritos, com intelectualismos e moralismos, a Igreja percebe que a fé quase se perdeu no caminho: foi dissipada como pó ao vento. É preciso agregar de novo os esforços; concentrar-se no núcleo duro da fé, no seu nó fundamental: o evento Cristo.
O texto belga(7) , dando centralidade à mensagem do amor como coração da mensagem cristã, sugere retomar “a mensagem única, o único querigma: Deus, em Cristo, ama até o fim e salva nosso mundo”, uma notícia tão simples e tão elementar, mas ainda não divulgada e acolhida pelos próprios cristãos.
Convidando a essa conversão cristológica, a reflexão catequética atual corrige a tendência unilateral de alguns movimentos catequéticos pós-conciliares que colocaram o acento sobre o caráter central da experiência humana na caminhada da fé, como se fosse possível se chegar à fé unicamente fazendo uma reflexão mais profunda acerca dos mistérios. Um esforço que merece reconhecimento e cujos efeitos ainda hoje são sentidos na catequese. Uma virada copernicana se deu, passando de uma realidade totalmente teocêntrica para um antropocentrismo teológico. A renovação catequética trouxe a superação do período catequístico, que fazia uso dos catecismos e dava importância à memorização das fórmulas. Na América Latina, então, nem se fala! Uma leitura criteriosa do evento Vaticano II, motivada pelas Conferências Episcopais, deu amplo espaço à renovação catequética, que ganhou vida e tomou corpo no Brasil com o documento Catequese Renovada da CNBB, em 1983 (8) .
Uma revolução catequética começava a despontar: novo modelo teológico, com vertente mais antropológica, ocupava o lugar cativo da teologia descendente. A pedagogia do ensino – entendendo o destinatário da catequese como uma tabula rasa – abria espaço para a pedagogia da aprendizagem, alicerçada em Piaget ou no brasileiríssimo pedagogo dos pobres, Paulo Freire. Uma visão muito otimista da humanidade! Uma catequese que se propõe a revelar aos catequizandos o que eles têm neles, mesmo sem o saber, fazendo uma conexão entre fé e vida. Uma pedagogia muito indutiva: o encontro com Deus realizado a partir da vida, da experiência concreta à luz da Palavra da Escritura (9). E quanta conquista se deu: quantos desafios enfrentados com sucesso, quanta encarnação especialmente na realidade latino-americana que só podia desembocar em avanços.
Acontece, porém, que a fé não é conclusão lógica de uma meditação sobre o sentido da existência ou sobre o mistério da realidade, como disseram com propriedade os bispos da Bélgica. A fé é adesão a Jesus Cristo e sua proposta do Reino, é amor incondicional a ele, como ele nos amou. A reflexão acerca da realidade certamente ajuda a perceber onde está o xis da questão: o que distancia nossa vida do projeto de Deus para a humanidade, o Reino anunciado e realizado por Jesus. Mas a vida compreende tramas muito mais complexas e exigentes que uma transformação social poderia provocar, mesmo que provocada por motivações evangélicas.
Diversos outros documentos elaboram a mesma performance. A lógica do processo de fé inclui necessariamente a experiência da salvação, realizada em Cristo Jesus, único sacerdote e mediador. Essa experiência se apresenta como exigência intrínseca da novidade da fé. E, como consequência, a quem já experimentou a vida de fé, advém o desejo de compreender e de aprofundar os mistérios cristãos. A experiência do Nazareno morto e ressuscitado, que entra no Santuário celeste para fazer o único e definitivo sacrifício, reclama a inteligência da fé, em função do mergulho no mistério que ela realiza (mistagogia). O que não elimina, é claro, a tarefa do ensinamento e da aprendizagem, uma vez que estes têm dimensão didática. Assim, a catequese prioriza o conhecimento de Cristo, e não de uma doutrina ou até mesmo da mensagem cristã (10) , cuja acolhida não vem pela cognição, mas pela adesão que passa pela via do coração. Mas sobre isso falaremos melhor no próximo número. Continuamos esse tema na semana que vem.
Ecoam por todos os cantos vozes imperiosas que percebem essa urgência cristológica. Os bispos franceses falam de “voltar ao coração da fé”(2) , para passar “da herança à proposição da fé”(3) . Conhecedora da realidade da secularização e percebendo que a Cristandade tornou-se página virada, a Igreja francesa deseja anunciar o Cristo vivo e, sabiamente, os cristãos franceses realçam o caráter da adesão livre e pessoal da fé. Insistem, pois, na urgência de recuperar a força transformadora da fé, da boa-nova cristã, que não perdeu seu vigor, nem caducou: Cristo Jesus está vivo e continua interpelando ao seguimento.
O Episcopado de Quebec(4) fala de ir “do rio à fonte”, de retornar à fonte, relativizando as doutrinas transmitidas tradicionalmente para se fazer a experiência de Cristo Jesus, fonte de toda vida, de “conduzir-se para além das crenças [...], de se esforçar para revelar a experiência espiritual que nasce da vida, que surpreende, que faz entrever o essencial, que desperta, que põe a caminho, que faz viver”. Ventos fortes sopram na direção de resgatar a experiência pessoal com o Ressuscitado, perdida no marasmo da vida cristã tradicional.
Os alemães(5) falam de “Elementarisierung”(6) , de uma concentração no nó cristológico que permite responder às demandas que interpelam a identidade cristã hoje em dia. Em meio a tanta preocupação com doutrinas e ritos, com intelectualismos e moralismos, a Igreja percebe que a fé quase se perdeu no caminho: foi dissipada como pó ao vento. É preciso agregar de novo os esforços; concentrar-se no núcleo duro da fé, no seu nó fundamental: o evento Cristo.
O texto belga(7) , dando centralidade à mensagem do amor como coração da mensagem cristã, sugere retomar “a mensagem única, o único querigma: Deus, em Cristo, ama até o fim e salva nosso mundo”, uma notícia tão simples e tão elementar, mas ainda não divulgada e acolhida pelos próprios cristãos.
Convidando a essa conversão cristológica, a reflexão catequética atual corrige a tendência unilateral de alguns movimentos catequéticos pós-conciliares que colocaram o acento sobre o caráter central da experiência humana na caminhada da fé, como se fosse possível se chegar à fé unicamente fazendo uma reflexão mais profunda acerca dos mistérios. Um esforço que merece reconhecimento e cujos efeitos ainda hoje são sentidos na catequese. Uma virada copernicana se deu, passando de uma realidade totalmente teocêntrica para um antropocentrismo teológico. A renovação catequética trouxe a superação do período catequístico, que fazia uso dos catecismos e dava importância à memorização das fórmulas. Na América Latina, então, nem se fala! Uma leitura criteriosa do evento Vaticano II, motivada pelas Conferências Episcopais, deu amplo espaço à renovação catequética, que ganhou vida e tomou corpo no Brasil com o documento Catequese Renovada da CNBB, em 1983 (8) .
Uma revolução catequética começava a despontar: novo modelo teológico, com vertente mais antropológica, ocupava o lugar cativo da teologia descendente. A pedagogia do ensino – entendendo o destinatário da catequese como uma tabula rasa – abria espaço para a pedagogia da aprendizagem, alicerçada em Piaget ou no brasileiríssimo pedagogo dos pobres, Paulo Freire. Uma visão muito otimista da humanidade! Uma catequese que se propõe a revelar aos catequizandos o que eles têm neles, mesmo sem o saber, fazendo uma conexão entre fé e vida. Uma pedagogia muito indutiva: o encontro com Deus realizado a partir da vida, da experiência concreta à luz da Palavra da Escritura (9). E quanta conquista se deu: quantos desafios enfrentados com sucesso, quanta encarnação especialmente na realidade latino-americana que só podia desembocar em avanços.
Acontece, porém, que a fé não é conclusão lógica de uma meditação sobre o sentido da existência ou sobre o mistério da realidade, como disseram com propriedade os bispos da Bélgica. A fé é adesão a Jesus Cristo e sua proposta do Reino, é amor incondicional a ele, como ele nos amou. A reflexão acerca da realidade certamente ajuda a perceber onde está o xis da questão: o que distancia nossa vida do projeto de Deus para a humanidade, o Reino anunciado e realizado por Jesus. Mas a vida compreende tramas muito mais complexas e exigentes que uma transformação social poderia provocar, mesmo que provocada por motivações evangélicas.
Diversos outros documentos elaboram a mesma performance. A lógica do processo de fé inclui necessariamente a experiência da salvação, realizada em Cristo Jesus, único sacerdote e mediador. Essa experiência se apresenta como exigência intrínseca da novidade da fé. E, como consequência, a quem já experimentou a vida de fé, advém o desejo de compreender e de aprofundar os mistérios cristãos. A experiência do Nazareno morto e ressuscitado, que entra no Santuário celeste para fazer o único e definitivo sacrifício, reclama a inteligência da fé, em função do mergulho no mistério que ela realiza (mistagogia). O que não elimina, é claro, a tarefa do ensinamento e da aprendizagem, uma vez que estes têm dimensão didática. Assim, a catequese prioriza o conhecimento de Cristo, e não de uma doutrina ou até mesmo da mensagem cristã (10) , cuja acolhida não vem pela cognição, mas pela adesão que passa pela via do coração. Mas sobre isso falaremos melhor no próximo número. Continuamos esse tema na semana que vem.
1-Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório Nacional da Catequese. São Paulo: Paulinas, 2006.
2-COMMISSION ÉPISCOPALE DE LA CATÉCHÈSE DU CATÉCHUMÉNAT. Aller ao coeur de la foi. Questions d’avenir pour la catéchèse. Paris: Boyard/cerf/ Fleurus-Mame, 2003.
3-LES ÉVÊQUES DE FRANCE. Proposer la foi dans société actualle: Lettre aux catholiques de France. Paris: CERF, 1997.
4-ASSEMBLÉE DES ÉVÊQUES DU QUÉBEC. Proposer aujourd’hui la foi aux jeunes, une force pour vivre. Montréal: Fidel, 2000.
5-DIE DEUTSCHEN BISCHOFE. Katechese in veranderter Zeit. Bonn: Sekretariat der Deutschen Bischofskonferenz, 2004.
SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)
__________________________________________________________________________
CLIQUE NO MARCADOR À ESQUERDA DE SEU VÍDEO EM "SOLANGE MARIA DO CARMO" E ACOMPANHE TODOS OS TEXTOS DE SOLANGE
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)
__________________________________________________________________________
CLIQUE NO MARCADOR À ESQUERDA DE SEU VÍDEO EM "SOLANGE MARIA DO CARMO" E ACOMPANHE TODOS OS TEXTOS DE SOLANGE
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá. Seja bem vindo (a)!!! Deixe seu comentário. Será bem legal.
Obrigada. Volte sempre!!!!!