sexta-feira, 21 de maio de 2010

Aprendendo catequese com o autor de Hebreus-4



O autor de Hebreus parecia vislumbrar os tempos atuais. Também hoje, não poucos batizados têm abandonado o mistério no qual foram inseridos para pertencer a grupos misteriosos. Sedentos de Deus e sem saber onde o encontrar, cristãos trocam o mistério pelo misterioso. Risco que os destinatários de Hebreus também corriam, abandonando a liturgia definitiva realizada em Cristo para voltar à liturgia judaica, cuja validade já tinha passado e cujo lugar do culto – o Templo – já tinha até sido destruído.

A homilia destinada aos cristãos de origem hebraica fala hoje ao coração humano, sedento da experiência da salvação que só o Filho oferece. Em meio a tantos mediadores apresentados aos fiéis católicos, urge tecer uma cristologia mais consistente na catequese. É só abrir alguns manuais de catequese e logo saltará aos olhos a dispersão da fé. É só participar de uma liturgia católica e se verá a dificuldade para celebrar o mistério salvífico. É só visitar um santuário, uma catedral, uma igrejinha qualquer: o altar, qual carro alegórico, carrega uma multiplicidade de enfeites que não revelam mais a centralidade de Cristo. Maria, cuja piedade marca os fiéis católicos, é apresentada como medianeira de todas as graças e como mediadora dos bens celestiais, em vez de seu Filho que deu a vida pela humanidade. Os santos, amplamente conhecidos pela piedade popular católica, ofuscam a centralidade de Cristo, sendo cultuados por si mesmos e não por Cristo que os santificou. Os anjos, em meio à mística pós-moderna que revive o ressurgimento do sagrado e seus representantes, ofuscam o papel do Filho, pois eles enfrentam a luta contra o mal e protegem o fiel. Devoções cada vez mais extravagantes acerca dos anjos crescem e se proliferam no meio católico. E mais: os presbíteros, com seu ministério ordenado, reclamam para si o sacerdócio, entendendo a mediação litúrgica como algo que só eles podem realizar, esquecendo-se que são apenas partícipes do único sacerdócio real, o de Cristo Jesus.

Não seria demais dizer que a catequese feita pela Carta aos Hebreus seria oportuna para nossa Igreja. Até seu método (Qal wa-chomer) continua atual. Ao mostrar a relatividade e a leveza de todos os signos sagrados dos judeus – respeitando o que o povo já conhece, já experimenta e já conserva em seu imaginário religioso –, o autor anuncia a boa-nova: a densidade e o peso da obra de Cristo, único mediador do Pai.
O texto de Hebreus apresenta-se, portanto, como uma grande catequese: eficaz, profunda, teológica, espiritual, encarnada. Conserva três características fundamentais da catequese que hoje a Igreja procura resgatar: o caráter iniciático, mistagógico e narrativo da fé.

O caráter iniciático se faz presente, pois apresenta Jesus como o Filho que revela o Pai e, por meio do Espírito, realiza a obra de salvação definitiva (o querigma). A vida, morte e ressurreição de Cristo é o nó fundamental dessa bela homilia. Não se parte de conjecturas, nem de vãs elucubrações. Parte-se da vida concreta de Cristo, por meio do qual Deus agora fala ao mundo: aquele que é a Palavra de Deus.

O traço mistagógico, tão relevante, introduz os ouvintes no mistério da salvação por meio de uma catequese experiencial e cuja pedagogia ultrapassa o ensino-aprendizagem. Já mergulhados em Cristo, os iluminados pelo batismo dão passos significativos para sair da sombra e chegar à luz do conhecimento de Deus. Pouco a pouco, cada mistério é vivenciado, sentido, percebido. Cada realidade nova em Cristo é vivida como ação salvífica exclusivamente dele e não de outro mediador: nem de Moisés, nem de Josué, nem dos anjos, nem dos sacerdotes... O cristão se vê abarcado pelo mistério da salvação que o Filho realiza em seu favor.

O tom narrativo da fé se conserva. O autor parte da vida concreta do homem de Nazaré, aperfeiçoado pela obediência, vendo nas Escrituras Antigas a Palavra viva de Deus que ganha cumprimento no Filho. Passeando pelos relatos, ensinamentos e rituais antigos, o escritor faz um verdadeiro derash; uma hermenêutica ampla, aberta, histórica. Tudo o que aconteceu até aqui é apenas tipo do que se realiza em Cristo. Só nele tudo é definitivo.

Assim, a catequese de Hebreus é respeitosa (parte da realidade hebraica de seus ouvintes), sem deixar de ser atrevida (lança seus interlocutores para além do lugar onde se encontram); é querigmática (apresenta Jesus de Nazaré como Filho de Deus vindo ao mundo), sem deixar de ser profunda (apresenta algo que é teológico, dito como difícil de ser compreendido – cf. Hb 5,11-14). Um belo modelo de catequese para os dias de hoje.

SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)

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