sexta-feira, 7 de maio de 2010

Aprendendo catequese com o autor de Hebreus-2


Alimentada por uma catequese consistente sobre Jesus de Nazaré e a eficácia de seu sacrifício, a comunidade de Hebreus se sente convidada a não permanecer na periferia da fé. Tendo mergulhado no mistério de Cristo sacerdote eterno, faz a experiência da salvação e compartilha a dolorosa trajetória de Jesus de Nazaré por meio do martírio (cf. Hb 10,32-39). Mergulha no núcleo da fé recebida, transmitida pelos apóstolos, fé que não é confundida com mera emoção ou religiosidade, nem com a prática de rituais, mas que é entendida como “certeza daquilo que se espera” (Hb 11,1). A comunidade dos iluminados pelo batismo penetra na dinâmica da salvação, toma parte na grande procissão de fiéis que desde muito tempo caminha sustentada pela fé (cf. Hb 11,4-40): uma “nuvem de testemunhas” que deixa para trás o que a atrapalha de viver a vida nova em Cristo (cf. Hb 12,1-3), experimentando o amor fraterno no qual é chamada a perseverar (cf. Hb 13,1). Uma tarefa árdua e exigente: uma maratona que exige “correr com perseverança na competição proposta” (Hb 12,1b), sempre com os olhos fixos naquele que leva a fé à perfeição: Cristo Jesus (cf. Hb 12,2a). E o desânimo é combatido quando a comunidade olha para a caminhada do próprio Jesus, que enfrentou tamanha oposição dos pecadores (cf. Hb 12,2b). A quem abraçou a fé, resta a perseverança no amor fraterno que é marca registrada dos iluminados em Cristo (cf. Hb 13,1). Nada mais tem importância; nada mais interessa a não ser esse amor fraternal. Para que perder tempo com coisas inúteis? Afinal, “não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que há de vir” (Hb 13,14). Então, “por meio de Jesus, ofereçamos a Deus perene sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que celebram seu nome” (Hb 13,15) com uma vida a ele agradável (cf. Hb 13,21b).

Impressiona-nos a habilidade do autor de Hebreus para, dentro do contexto judaico e a partir de categorias e modelos próprios do judaísmo, anunciar Jesus Cristo. De forma narrativa, ele resgata as origens, percorre as experiências fundantes, retoma e atualiza as Escrituras. Vê em Jesus o cumprimento pleno de tudo que outrora esperaram os pais da fé. O texto faz progressiva caminhada: reforça os antigos valores, dando-lhes novo significado; constrói novos alicerces a partir da vida nova experienciada em Cristo, o único sacerdote do Pai.

Mas como pode o Cristo ser sacerdote? De onde o autor de Hebreus tira essa idéia?, afinal ele é o único texto das Escrituras que chama Jesus de sacerdote. Bem,  vejamos. É preciso ficar bem clara essa teologia do sacerdócio de Cristo, pois ela é a base de todo sacerdócio, não só dos ministros ordenados, mas inclusive do sacerdócio comum dos fiéis.

O sacerdócio de Cristo em Hebreus encontra suas bases na figura de “Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo” (Hb 6,20). Figura enigmática, sem começo e sem fim, sem genealogia e sem destino (cf. Hb 7,3), Melquisedec desponta como aquele a quem Abraão, o pai da fé, entrega seu dízimo como gratidão a Deus por uma batalha vencida (cf. Gn 14,17-20). Pão e vinho são entregues em louvor nas mãos de Melquisedec, muito antes que se pudesse pensar no sacerdócio levítico. Ora – pensa o genial autor de Hebreus – se Abraão, o patriarca, entrega seu dízimo a essa figura desconhecida que o abençoa, certamente Melquisedec é maior que Abraão (cf. Hb 7,4-8). Além disso, se ele recebe as ofertas, é sacerdote. Logo, antes mesmo de Levi, há outro sacerdócio que não o tão conhecido sacerdócio dos levitas: um sacerdócio instituído não por mãos humanas, mas por Deus (cf. Hb 7,8-10), eterno e imutável; um sacerdócio cujo sacrifício não é feito no Templo de Jerusalém, mas no Santuário Celeste (cf. Hb 9,11-14); um sacerdócio que não oferece animais como vítimas, mas cuja vida vitimada é oferenda perfeita aos olhos do Pai, um sacerdócio de uma oferenda única e irrepetível: a vida na Cruz do homem Jesus que agrada a Deus e é por ele glorificada (Hb 7,23-28; 9,24-28).

O autor da carta aos Hebreus entende que os sacerdotes, que eram separados do povo para o serviço do altar, agora já não têm mais função. O grande Separado – o Santo de Deus – se misturou entre os homens, se fez um com eles e igual a eles (cf. Hb 4,15) e ofertou sua vida em sacrifício. O autor de Hebreus percebe a plenitude das promessas anteriores agora cumpridas em Cristo Jesus, que elimina de vez toda distância entre Deus e a humanidade. No homem Jesus, o Filho de Deus, a mediação definitiva acontece. Não há mais o véu que separava o lugar Santo do Santo dos Santos (cf. Hb 9,1-10). Ele foi eliminado a partir do momento em que feito homem, Jesus, por sua morte, retorna ao Pai. Pela encarnação, a esfera divina e a esfera humana não se encontram mais distantes: há um ponto de interseção entre Deus e os homens, construída em Cristo, que faz a mediação definitiva junto do Pai a nosso favor. Por esse motivo, insistente convite interpela a todos: “Temos, pois, irmãos, a ousadia de entrar no Santuário, pelo sangue de Jesus, pelo caminho vivo e novo que ele inaugurou para nós, passando através da cortina, quer dizer, através de sua humanidade. Aproximemo-nos, portanto, de coração sincero e cheio de fé, com o coração purificado de toda má consciência e o corpo lavado com água pura” (Hb 10,19-22 ). 

Ribomba como trovão o apelo do autor de Hebreus à comunidade judaica, saudosa do Templo, dos costumes, da tradição, dos rituais de outrora. Não há nada mais cristológico nem mais eficaz. Mesmo em tempos de crise e perseguição, o vigor da boa-nova anunciada pelos evangelistas não se arrefeceu; o evangelho anunciado pelos apóstolos não perdeu sua potencialidade; ao contrário, a Palavra de Deus que se fez carne em Cristo e tem sua plenitude nele encontra acolhida no coração dos  fiéis sedentos de Deus. Por isso, a comunidade segue em frente apesar dos riscos do martírio. A força transformadora da presença do Ressuscitado que entrou no santuário divino interpela os ouvintes ao seguimento e lhes capacita na caminhada. E hoje: nossa catequese tem sido portadora dessa boa-nova transformadora ou se contenta em ser nossa mera preparação para os sacramentos? Mas isso é assunto para a próxima semana.
___________________________________________________________________________________
(1)O mais antigo sacrifício, chamado Zevah, consistia numa refeição ritual onde aquele que oferece o sacrifício e o Deus a quem ele é oferecido comem juntos. Alimentos cotidianos eram usados neste ritual, dentre eles pão e vinho. Cf. ANDRADE, Aíla Pinheiro. À maneira de Melquisedec: o messias segundo o judaísmo e os desafios da cristologia no contexto neotestamentário e hoje. Belo Horizonte, FAJE, 2008. p. 167. Tese de doutorado.
____________________________________________________________________________________
SOLANGE MARIA DO CARMO
DOUTORANDA EM CATEQUESE E PROFESSORA DE TEOLOGIA BÍBLICA NA PUC-BH
AUTORA DA COLEÇÃO CATEQUESE PERMANENTE DA PAULUS EDITORA COM Pe ORIONE (MATERIAL QUE SERÁ ADOTADO PELA DIOCESE DE LORENA EM 2010)

__________________________________________________________________________

CLIQUE NO MARCADOR À ESQUERDA DE SEU VÍDEO EM "SOLANGE MARIA DO CARMO" E ACOMPANHE TODOS OS TEXTOS DE SOLANGE


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá. Seja bem vindo (a)!!! Deixe seu comentário. Será bem legal.
Obrigada. Volte sempre!!!!!