domingo, 7 de março de 2010

Domingo, 7 de março de 2010 - 3º Domingo da Quaresma


Santas Perpétua e Felicidade, Mártires (Memória facultativa).


Primeira leitura: Êxodo 3, 1-8a.13-15
O "Eu sou" enviou-me a vós.
Salmo responsorial: 102, 1-2.3-4.6-7.8.11
O Senhor é bondoso e compassivo.
Segunda leitura: 1 Coríntios 10, 1-6.10-12
A vida do povo com Moisés no deserto foi escrita para ser exemplo para nós.
Evangelho: Lucas 13, 1-9
Se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo.


O texto do livro do Êxodo nos apresenta a versão mais conhecida da assim chamada vocação de Moisés, que é também a "auto-apresentarão" de Javé. Entre os antigos semitas, o nome de Deus era algo muito significativo. O Deus que se revela tem um nome diferente para o povo. Significa que Deus mudou (mudamos de Deus); este é um Deus que se mostra a partir da história como um Deus que manda os eleitos para que dêem resposta aos clamores comoventes, diante dos quais não pode ficar indiferente.

O que significa o nome de Deus? A resposta não é fácil, pois ela inclui o verbo "ser", "estar": as opiniões mais sólidas são três: "eu sou o que faz ser", o que remete a um Deus criador, ainda que não se entenda a razão de ser dessa confissão de fé nesse momento; o reconhecimento de Deus como criador, parece ser mais tardio, como em Segundo Isaias, no tempo do exílio; "eu sou o que sou" no sentido de ressaltar que Deus existe, enquanto os ídolos não existem (no sentido usado em Os 1,9), uma referencia à aliança, e a "duplicação do nome" destaca a soberania de Deus que "usa de misericórdia com quem usa de misericórdia" (Ex 33.19), isto é: sempre; finalmente, "eu sou o que estarei" (com vocês), É o Deus da presença salvadora, o que acompanha a história. Os dois últimos sentidos parecem ser os mais prováveis: Deus garante sua presença e por isso enfrenta os deuses do Egito: o clamor do povo não pode ficar impune.

O Evangelho situa-se na "viagem a Jerusalém", onde Lucas apresenta muitos textos de sua autoria. Contudo, o relato apresenta certa semelhança na forma com o que vinha sendo dito: em 12,51, também havia perguntado "crêem que..." e a resposta foi "asseguro-lhes que..." concluindo com uma parábola. Neste caso se apresenta abruptamente uma situação histórica, com uma aparente interpretação religiosa. Jesus corrige essa interpretação e inclusive apresenta outra situação semelhante que se prestaria à mesma interpretação. "Não, asseguro-lhes" é a correção que Jesus propõe (VV. 3.5) para a qual apresenta outra parábola (vv. 6-9).

O acontecimento histórico nos é desconhecido. Diferentes fatos foram propostos, mas nenhum coincide exatamente com o fato narrado no evangelho. É estranho que Flávio Josefo não o tenha narrado, pois era pouco amigo de Pilatos. Porém este debate supõe um (ou dois) acontecimentos ocorridos realmente. A mistura de sangue dos galileus com o sangue dos sacrifícios faz pensar na festa da Páscoa: nessa festa, Pilatos e os peregrinos - também os da Galileia - se encontravam em Jerusalém, e os leigos participam dos sacrifícios, já que devem levar para sua casa, lugar da celebração, o cordeiro para ser consumido em família. O outro fato afeta 18 pessoas. Se o primeiro é incidental, este é ocasional. No primeiro há um cerimonial, no segundo há um fato casual. O que é comum para ambos são os mortos e a interpretação que os interlocutores de Jesus fazem do fato. Da torre de Siloé sabemos apenas de sua existência, e de sua ampliação. Josefo narra o fato, porém não conta nenhum acidente desse tipo. Não sabemos se Lucas não está pensando ou pode estar relendo a queda de Jerusalém, posterior ao ano 70, porém mais além dos fatos históricos, o importante é a resposta à imagem de Deus que isto supõe.

A opinião teológica clássica estabelece uma estreita relação entre culpabilidade e castigo, daí que os interlocutores pensem que nessas mortes Deus castigou seus pecados; estamos próximos da teologia tradicional da "retribuição", a mesma que é defendida pelos amigos de Jó. Jesus não questiona a culpabilidade dos galileus, porém se nega a apresentar um Deus tão cruel, e prefere mostrar um Deus em diálogo com os homens, um Deus que dê espaço à conversação. " Se vocês não se converterem" coloca os ouvintes no mesmo nível dos galileus e passa a idéia de que "todos são culpáveis". E nos leva a olhar o mundo e os acontecimentos, não como espectadores, mas como atores. Em vv. 2 e 4 coloca-se em paralelo pecadores e devedores; certamente os leitores gregos de Lucas não entendem "dívida" em um sentido também religioso (no Pai nosso, onde de diz "pecados" se dizia "dívidas"), porém por estar em paralelo não precisa explicação e se compreende que aqui a "dívida" deve ser entendida por "culpa". Ao rejeitar a imagem de Deus, Lucas apresenta um divindade menos poderosa e mais misericordiosa, perante um Deus de amor, convida-nos a ter presente que nossa sorte está no perdão de Deus mais que em nossas atitudes.

Nesta perspectiva, Jesus nos apresenta uma parábola. Com freqüência ela foi alegorizada (por exemplo, os três anos fariam referencia à vida pública de Jesus, dado que Lucas nunca fala e parece desconhecer). Sabemos que com muitíssima freqüência Israel é comparado com uma vinha (o exemplo mais evidente é Is 5,1ss, porém Israel também já foi comparado com uma figueira (Jr 8,13; Os 9,10: Mi 7,1). Não é necessário dizer que a videira representa Israel e a figueira representa Jerusalém, provavelmente o uso de ambas as imagens tem como intenção simplesmente reforçar a idéia (Mi 4,4) e que fique muito claro de quem se está falando, de Israel, e desse modo conduzir à "conversão" (metanoia) que é o centro de toda a unidade. A figueira não somente não dá fruto, mas que ocupa um lugar importante. O dono repete o que sabemos, que foi buscar frutos e não os encontrou, porém acrescenta novos elementos: que faz três anos que repete o mesmo gesto, daí a sua decisão de cortá-la; a destruição é aqui, imagem do juízo. O surpreendente ocorre com a intervenção do vinhateiro (comum na bíblia) ele se ocupará de alimentar e regar a planta e leva o dono a ter uma nova e última esperança, nesse caso um ano. Esta será a última oportunidade da árvore de dar fruto, do contrário será cortada. Como em outras parábola, o final permanece "aberto", não sabemos se a figueira deu ou não o fruto esperado, como não sabemos se o filho mais velho entrou na festa do pai após o regresso do filho mias novo. Como a parábola pretende levar a uma atitude, são nossas atitudes que vão dizer se o final vai ser negativo ou positivo. Os ouvintes, pecadores, tem também sua última oportunidade de dar fruto de conversão para Deus. Os israelitas são convidados, tanto pelos acontecimentos cotidianos, como pela palavra de Jesus, a escutar a voz de Deus que os convida à conversão. E, com eles, também nós.

Jesus nos ensina, no texto de hoje, a aprender a escutar a voz de Deus nos acontecimentos da historia. De fato, seus interlocutores também o faziam, e por isso contam os fatos, porém escutam mal: eles não ouviam o que Deus queria dizer. É verdade que Deus fala, porém é preciso aprender a escutá-lo. Deus não nos diz que os mortos dos referidos acontecimentos drásticos, só eles eram pecadores, porque, de fato todos o são. O que Deus nos diz é que, por sermos todos pecadores, devemos converter-nos e dar frutos de conversão. Os frutos são uma palavra de Deus para esta etapa da história.

A vida da figueira muitas vezes representa na Bíblia o povo de Israel, para que fique claro que se refere a isto, a parábola nos fala de uma figueira plantada em uma vinha. Porém nesses casos o problema, com muita freqüência, são os frutos, ou para ser precisos, os maus frutos ou a falta deles. De que serve uma figueira que não produz frutos? Se não produz frutos reiteradamente, o problema se agrava: não somente não produz fruto, mas acaba ocupando um lugar que poderia ser aproveitado para outra planta. Deus preparou o terreno, fez tudo que era necessário, tomou um tempo prudencial, porém, e os frutos? Deus havia preparado o seu povo com muito carinho. E qual a resposta ao carinho de Deus? O tempo está acabando e a figueira está prestes a ser cortada. Somente a intervenção dos trabalhadores pode postergar o corte por mis um breve tempo.

Vivemos em sociedades chamadas cristãs. "Ocidental e cristã" se dizia, e os frutos foram torturas, desaparições, assassinatos, delações, medo, desesperança... e mais ainda: fome, desocupação, analfabetismo, falta de saúde e moradia, desesperança... e "pelos frutos se conhece a árvore". Hoje muitos que se dizem cristãos continuam vivendo sua fé muito longe dos frutos de amor e de justiça que nos pede o evangelho: participam de mesas de dinheiro, da tirania do mercado, pagam salários "estritamente justos" e precisamente baixos, estão afiliados a partidos que nada tem que ver com a Doutrina Social da Igreja (pode-se ser cristão e neoliberal? Certamente não). E os frutos? Individualismo, fome, pobreza... Assim, por exemplo, vemos que um dos problemas da América Latina para o reconhecimento "oficial" de nossos mártires é que os seus assassinos "eram igualmente cristãos!" Isto é uma verdadeira decepção.

Quantos se dizem cristãos entre nós! Quantos são "cristãos comprometidos", participantes de missas e movimentos!... Porém, também quanto escândalo!

" Meu Deus, quero pedir-te perdão por ter esquecido o mais importante: que és meu Pai; Senhor, nunca mais quero ter medo de ti, sou teu filho e não teu escravo. A partir de hoje em diante quero que estejas comigo. Quero demonstrar-te com fatos, não com meras palavras, que te amo... quero amar-te em cada pessoa que encontrar, porque esta é a tua vontade. Quero sofrer com meus irmãos que estão sem trabalho, quero sentir como minha a angústia de milhares e milhares de aposentados... Faze, Senhor, que a teu exemplo, passe pela vida espalhando o amor" (Carlos Mugica ).

Não bastam as palavras. De nada serva uma figueira estéril. Uma figueira deve dar figos já que para isso foi plantada. Um povo redimido por Cristo deve edificar com sua vida (e com sua morte se necessário) um Reino que dê frutos de verdade, de justiça e de paz, de liberdade, de vida e de esperança... Estamos longe, muito longe de consegui-los. É verdade que em muitas comunidades há também frutos muito vivos de solidariedade, de paz, de oração, de justiça e de vida, de celebração e de esperança... e poderíamos multiplicar os frutos que vemos nas comunidades; porém tudo que foi dito antes também é certo. Podemos produzir muitos frutos ainda. Muita vida ainda pode ser colhida e muita alegria há que se festejar.

O continente da violência, da injustiça e da fome reclama frutos dos cristãos. E esses frutos devem ser produzidos na história. Os acontecimentos cotidianos, de dor e de morte, que tão frequentemente vemos na América Latina, são palavra de Deus. Uma palavra que devemos aprender a escutar, devemos compreender para não achar que Deus diz o que não está dizendo. Jesus nos ensina a "dinâmica do fruto" para que aprendamos a reconhecer aí um Deus que continua falando e chamando à conversão, não uma conversão individual e pessoal, mas que dê frutos para os irmãos, para a história e para a vida. E a Quaresma é tempo oportuno para começar a dar frutos.

FONTE: PORTAL CLARET
MARCADOR: LITURGIA

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá. Seja bem vindo (a)!!! Deixe seu comentário. Será bem legal.
Obrigada. Volte sempre!!!!!