Profª Solange Maria do Carmo
Sempre é bom discutir
a relação entre catequese e sacramentos. Os pais, então, vivem preocupados com
isso. Lembro-me bem quando trabalhei com a catequese
permanente em Viçosa (diocese de Mariana – MG). A princípio, foi difícil
para os pais entenderem o novo sistema catequético. A maioria deles estranhou,
mas logo perceberam as vantagens. Muitos deles se entusiasmaram e voltaram a
participar das celebrações dominicais motivados por seus filhos. Outros se
engajaram no projeto, tornaram-se catequistas, evangelizadores, coordenadores
de grupos de reflexão nas casas etc. Foi uma mudança muito bonita. Mas, sobre a
estranheza, posso citar o caso de uma mãe, gente muito boa, professora da Universidade
Federal de Viçosa, mulher culta e bem formada em milhões de assuntos, mas bem
pouco formada nas questões da fé e da Igreja. Certo dia, foi até o Centro Catequético
falar comigo. Queria saber “quando seu filho ia tirar a primeira comunhão”. “A
catequese estava muito prolongada”, dizia ela, “e era preciso acabar logo com
aquilo”. Foi bom que ela tivesse me procurado. Conversamos muito tempo e acho
que ela tirou essa ideia de “tirar a primeira comunhão” da cabeça.
Não é de
estranhar se alguns pais estranham o novo paradigma catequético, especialmente
o fato de a catequese se prolongar pela vida, como um processo permanente.
Estranho seria se todo mundo entendesse tudo rapidinho e não tivesse dúvidas.
Ora bolas, a catequese católica vem desde o Concílio de Trento (século XVI)
atrelada aos sacramentos e sua funcionalidade tem dependido da dispensação dos
mesmos às crianças e jovens. A catequese perdeu seu estatuto próprio e se
submeteu aos sacramentos. Sem sacramentos, nada de catequese. Mas, se a demanda
do sacramento aparece, a catequese logo entra em cena. Então , como
poderíamos estranhar que uma mãe queira que seu filho “tire a primeira
comunhão”? Faz 500 anos que a coisa está funcionando assim: a catequese é curso
para a primeira eucaristia ou para a crisma. Como se “tira” um diploma de um
curso, “tira-se” a primeira comunhão depois de certo período de catequese. Mas
aí começam os problemas. Será que a catequese é mesmo preparação para a primeira
comunhão ou crisma ou ocasião contínua de fazer a experiência cristã de Deus?
Que interesse tem a Igreja de ministrar os sacramentos a alguém se esta pessoa
não entra na dinâmica da fé? Se ela não faz parte do grupo dos discípulos, se
ela não se engaja, não cria pertença, não participa? Certamente que a catequese
contempla a recepção dos sacramentos, mas este não é seu objetivo. A eucaristia,
por exemplo, não vai faltar nesta caminhada, mas cada coisa a seu tempo. O mais
importante não é fazer a primeira comunhão, mas entrar em comunhão. Mas o que
é mesmo isso?
Vamos por
parte. O que é a eucaristia? Eu diria que ela é um sacramento da Igreja que celebra a comunhão das pessoas entre si em torno do altar do Senhor
ressuscitado que se dá como alimento
na caminhada. Ora, primeiro: é sacramento da Igreja. Mas o que é sacramento?
A palavra sacramento vem do latim,
que é tradução do termo grego mistério.
A eucaristia é um mistério que a Igreja vive, celebra e crê. Não é uma hóstia
somente. É um mistério de amor no qual a gente é mergulhado, do qual a gente
passa a fazer parte. É mistério porque revela a presença de Cristo entre nós: Jesus
ressuscitado está presente na comunidade reunida que professa a fé e parte o
pão. Então, a eucaristia não é coisa para tirar, nem para fazer uma primeira
vez. É mistério do qual tomamos parte, sem jamais poder abandonar. Além de ser
mistério, é da Igreja (entendida como
comunidade de fé reunida pelo Senhor), um sacramento legislado por ela,
celebrado segundo suas regras, com as condições que ela impõe. Não estou
falando de Igreja hierárquica, mas também dela. Estou falando de Igreja povo de
fé que se reúne em torno do Senhor que o salva. Então, não faz sentido nenhum
pensar na primeira comunhão sem a Igreja e sem uma vida de Igreja. Segundo: a eucaristia é comunhão com os irmãos de fé e não só com Jesus. Não dá pra fazer comunhão
com Jesus, sem comunhão com o todo o seu corpo, sua Igreja. Não faz nenhum
sentido comungar sem querer fazer comunhão. A eucaristia não é um pão mágico
que cura doenças, faz milagres ou espanta mal olhado. Ela é celebração da
comunhão maravilhosa que há e deve haver entre os que professam a mesma fé. Por
isso ela é uma refeição entre irmãos. Jesus foi muito esperto ao nos deixar
esse sacramento em forma de pão e vinho, uma refeição. Comer sozinho não tem
mesmo a menor graça; é coisa para se fazer na companhia amorosa dos irmãos, celebrando
o dom da vida. Terceiro: ela é alimento. Alimento é para dar força,
nutrir o corpo, animar a caminhada. Quem não quer viver a vida plena de Deus,
quem não quer caminhar com ele, quem não quer sua força para enfrentar a vida,
não precisa da eucaristia. Ou melhor, quem não quer ser discípulo não precisa
do alimento do discipulado. Esse alimento é para nutrir a vida de Deus em nós,
para nutrir a comunhão com ele e os irmãos. Engana-se, pois, quem pensa que a primeira
eucaristia é um ritual mágico ou um ritual social, onde se veste de branco e
tira fotos bonitas com o tercinho na mão. Nada disso! É ritual de comunhão para
aqueles que querem fazer comunhão. Por isso, mais importante que a primeira
comunhão é a segunda comunhão. E a terceira mais importante que a segunda. E
assim por diante, pois o importante é a perseverança no caminho do Senhor. E o
mesmo poderia ser dito sobre o sacramento da crisma, mas basta o exemplo da
eucaristia para entender que os sacramentos da Igreja não são uma coisa que a
gente tira.
E, então, o
que a catequese tem a ver com a eucaristia? A princípio, tudo e nada. Tudo, se
a catequese coloca cada pessoa na caminhada de discipulado e promove a comunhão
que tem seu ápice na mesa eucarística. Nada, se entendemos que ela é curso para
poder comungar.
Mais artigos da profa. Solange no:
www.fiquefirme.com.br.
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