domingo, 14 de março de 2010

Domingo, 14 de março de 2010 - 4º Domingo da Quaresma

Primeira leitura: Josué 5, 9a.10-12
O povo de Deus celebra a Páscoa depois de entrar na Terra Prometida.
Salmo responsorial: 33, 2-3.4-5.6-7
Provai e vede quão suave é o Senhor!.
Segunda leitura: 2 Coríntios 5, 17-21
Por Cristo, Deus nos reconciliou consigo mesmo.
Evangelho: Lucas 15, 1-3.11-32
Este teu irmão estava morte e tornou a viver.


Sabemos que em Lucas a misericórdia ocupa um lugar central. É preciso ser misericordioso como o Pai do céu o é (6,3,6) e como o "bom samaritano"; assim o ouvinte deve "fazer o mesmo". No capítulo 15, depois de uma apresentação da situação que causa escândalo: "recebe os pecadores e come com eles", Jesus conta três parábolas. A idéia é a mesma nas três, ainda que na última se incorpore um elemento novo ao debate. A idéia principal é a de um objeto querido que se perde: há uma busca e o encontro. O acento recai na alegria que causa o encontro do objeto perdido, seja uma ovelha, uma moeda ou um filho. As duas primeiras, como é freqüente em Lucas, apresenta um par onde se integram um homem e uma mulher: o pastor e a mulher (lembrar o profeta e a profetiza de Lucas 2, 25-38), ou as parábolas da mostarda e do fermento em 13,18-21. A liturgia de hoje omite este "par misto" e se detém, logo na introdução, na assim chamada parábola do "filho pródigo".

Vamos comentar brevemente alguns aspectos desta passagem. Aproximam-se de Jesus, para ouvi-lo, "todos" os publicanos e pecadores. Não precisa muita imaginação para saber que se trata de uma construção artificial. "Todos" deveriam ser muita gente, porém o acento é colocado em destacar que estes grupos de rejeitados escutam da boca de Jesus uma pregação na qual não são excluídos. Muitas vezes se faz referencia, no Terceiro Evangelho, a grupos que "ouvem" a Jesus, porém é evidente que isto não basta, é necessário "colocar em prática" o que se crê (6,47-49; ver 8,11-15; 11,28) para ser como uma casa edificada sobre a rocha e não sobre a areia. Ficar somente nas parábolas não basta, pois seria ouvir e não entender 98,10), "ficar na casca" sem ir ao fundo, diferente da "mãe e dos irmãos" que escutam a palavra e a cumprem (8,21). Porém escutar é a primeira atitude, é sinal de reconhecimento como profeta semelhante a Moisés (9,35); logo passará aos seus: quem o escuta, escuta o Filho (10,16). Ouvir é a atitude do discípulo que escolhe a melhor parte (16,29-31).

O rico não segue a Jesus ao ouvir suas exigências por não estar disposto a "vender tudo" (18,23). Os adversários não podem desviar-se publicamente de Jesus porque o povo o ouve atento (19,48; cfr. 20,45; 21,38). Podemos dizer, então, que "ouvir" é o primeiro passo do discipulado, e nessa etapa estão "todos os cobradores de impostos e pecadores". Por outra parte, encontramos fariseus e escribas (5,21.30; 6,7; 11,53), olhando "a partir de fora" a Jesus e procuram confrontar suas opiniões e atitudes. Os escribas, por outra parte, quando os encontramos com os sacerdotes é para conspirar contra Jesus, buscando matá-lo. São expressão do que podemos chamar a "ortodoxia" judaica, os fiéis à lei e às tradições e por isso questionem o "heterodoxo", o que não corresponde aos ditames da lei, como é o caso de "receber" os pecadores. Com freqüência em Lucas, os fariseus se escandalizam das atitudes de Jesus diante dos pecadores, e murmuram (diagong_zô). O termo tornou a aparecer em 19,7 uma única vez em Lucas e em todo o Novo Testamento, Jesus se hospeda na casa de Zaqueu e "murmuram": "foi hospedar-se na casa de um homem pecador". A acusação é que Jesus prosdéjetai:aceita favoravelmente, recebe, espera os pecadores e certamente, o que é mais grave, "come com eles".

O tema da alimentação é sumamente importante. O fato de "comer com" marca uma atitude. É a única vez que a encontramos nos evangelhos e se repete em outras partes do NT. ... Um bom judeu só poderia tomar refeição com os puros; alimentar-se com os impuros era tornar-se também impuro. Jesus toma refeição com os pecadores para expressar, de forma evidente, que não veio "chamar os justos, mas os pecadores" (5,32); é uma atitude contrária à religiosidade "tradicional", essa é a questão; Jesus quer mudar a forma de conceber o rosto de Deus, como já foi falado mais de uma vez, quer refazer o Deus da pureza pelo Deus da misericórdia; por isso sua refeição com os pecadores reflete esse Deus que recebe a pecadores e a "todos". Este marco da alimentação de Jesus revela um novo rosto de Deus que ele quer mostrar na parábola.

O movimento da parábola é simples: apresentação dos personagens, atitude do filho menor, atitude do pai diante do filho perdido, atitude do filho mais velho. Como se vê, as três primeiras cenas são paralelas às atitudes do pastor e da mulher diante do objeto perdido, a novidade vê da atitude do filho mais velho. Certamente a parábola reflete a atitude dos fariseus e escribas diante dos pecadores. Não deixa de ser interessante a linguagem da refeição na parábola, o que nos lembra o contexto: "houve fome" (v. 14), desejava comer vagens (v. 16), os empregados do pai "têm pão em abundancia" (v. 17), o pai manda "matar um novilho gordo: comamos e bebamos, vamos fazer uma festa" (v. 23), "nunca me deste um cabrito para uma festa com meus amigos", queixa-se o irmão mais velho (v. 29) e esclarece "este teu filho que gastou todos os teus bens com prostitutas". Como se vê, há um contraste entre os personagens em relação a uma mesma situação: o filho irmão menor. Como em outras parábolas de dois personagens, talvez o título deveria refletir estas duas atitudes mais que remeter ao "filho pródigo".

Por outra parte, ocupa-se em mostrar a queda profunda do filho mais novo com uma série de elementos muito críticos para qualquer judeu: "país distante", "vida libertina/prostitutas", "passar necessidade", "cuidar de porcos", não lhe dão sequer vagens para se alimentar, que é comida preferencialmente de animais (deveria roubá-las?), a ponto de pretender voltar "a seu pai" como um assalariado. É preciso prestar atenção em palavras como "não mereço" (vv. 19.21) e "é bom/convém" (v. 32). Descobrindo sua miséria, o filho parte "de seu pai" (não diz de sua casa, ainda que se suponha "pros" (vv. 18.20), o filho mais velho é quem não entra "em casa" (v. 25). O movimento de partida e regresso do filho é semelhante ao perder-encontrar e mais ainda à morte-ressurreição, com este paralelismo termina a intervenção do pai que volta a repetir-se ao intervir junto ao filho mais velho. O filho mais novo preparou um discurso, porém o pai não lhe permite terminá-lo. O pai transborda em generosidade e iniciativa: não somente corre ao encontro do filho ao vê-lo ao longe, mas lhe devolve a filiação que havia "perdido": isso significa o anel (selo), as sandálias, e a melhor veste, tratamento digno de um hóspede de honra. A alegria do pai fica refletida ainda, na festa por "este meu filho".

O irmão mais velho, que retorna depois de cumprir com suas responsabilidades de filho, não quer ingressar na casa e participar da festa. Novamente o pai sai ao encontro do filho e aí escuta a reprovação. O filho mais velho se recusa a reconhecê-lo como irmão ("esse teu filho"), ao que o pai lhe recorda ("este teu irmão"). O pai não lhe nega a razão pelo fato de o filho mais velho "jamais ter desobedecido a uma ordem"; é um "sempre fiel", alguém que "está sempre com o pai" e tudo que é seu lhe pertence, porém o pai quer ir mais além da dinâmica da justiça: o filho mais novo "não merece", porém "é bom" festejar. A misericórdia supõe adiantar-se em relação aos outros. Os pecadores, por serem tais, não merecem, porém o amor é sempre gratuito e vai mais além dos merecimentos, olha o caído. Os fariseus e escribas são modelos de grupos "sempre fiéis", porém, sua negativa em receber os irmãos que "estavam mortos" e voltam à vida, pode deixá-los do lado de fora da casa e da festa. Os mais velhos também podem sair de casa, se não imitam a atitude do pai, ou podem ingressar e festejar se são capazes de receber os pecadores e comer com eles.

Em nossa vida cristã, costumamos transitar entre caricaturas de Deus; seja pelo que acreditamos, pelo que mostramos ou por aquilo que nos ensinaram. Seja um Deus bonachão, um vingador que a uma falha nossa nos castiga, um distraído ou esquecido das coisas dos humanos aos quais criou "faz tanto tempo", um "pai" autoritário e caprichoso que decide arbitrariamente e não permite discussões na realização de sua vontade. Como é nosso Deus? É importante saber como é o Deus no qual acreditamos, porém mais importante é saber como é o Deus no qual Jesus acreditou e como é o Deus que ele nos revelou. Como sempre, Jesus nos fala de Deus, não somente com palavras, mas também com o agir. Agindo, Jesus nos mostra a verdadeira face de Deus Pai. Hoje Jesus nos conta uma parábola, que nos fala de Deus. É uma parábola que nasce de uma atitude de Jesus. Ela quer nos ensinar que, diante dos irmãos desprezados, podemos agir de duas maneiras diferentes: como Deus, que é também uma obra de Jesus, ou também como os judeus religiosos, os "separados" do resto, os puros. O pecado é o amor-não-praticado e por isso nos distancia de Deus, que é amor; separa-nos da casa paterna. Porém, com seu amor, que continua sendo derramado, e de um modo preferencial pelos pecadores, Deus continua estendendo constantemente sua mão amiga, à espera da volta de seus filhos. Nós, com nossa freqüente caricaturização de Deus, costumamos rejeitar, julgar e condenar os considerados pecadores. Nós, como Jesus, com nossas atitudes também mostramos o Deus no qual acreditamos; porém, diferentemente de Jesus, também mostramos um Deus que em nada se assemelha ao Eterno Buscador de Filhos Perdidos.

O Jesus que ama e prefere os pecadores, e come com eles, não faz outra coisa que conhecer a vontade do Pai e realizá-la concretamente: partilhada sua mesa, seu alimento nos fala claramente de Deus! No comportamento de Jesus se manifesta o comportamento de Deus. Jesus mesmo é parábola vivente de Deus: sua ação se transforma assim em uma revelação. Que Deus, que Igreja, que ser humano revelamos com nossa vida? Com freqüência, como irmãos mais velhos, nos sentimos tão orgulhosos de não ter abandonado a casa do pai, que acreditamos saber mais que o próprio Deus: Deus se torna "injusto" diante da nossa "justiça"; Deus é "de pouco caráter" para nossa imensa sabedoria. Quem sabe, Deus já esteja velho, para dedicar-se à sua tarefa e deveria aposentar-se e deixar-nos.

Diante de tanta gente que rejeita a Igreja ("creio em Deus, mas não na Igreja"); às vezes admitimos: "Deus sim quer a Igreja". É o caso de nos questionar: que Igreja é a que ele quer? Nós mostramos, com nossas atitudes, em que Igreja acreditamos. Esta Igreja, a que eu, você, nós mostramos é a Igreja que Deus quer? Jesus, com sua vida, e até na forma de se alimentar, mostra o verdadeiro rosto de Deus. Talvez devamos, de uma vez por todas assumir nosso papel: deixar nossa atitude de filho mais velho e, já que é tão difícil fazer o papel de Deus, deveríamos assumir o papel de filho mais novo; é hora de voltar para Deus, para enchê-lo de alegria, para participar de sua festa; e, participando de sua alegria comecemos a mostrar o rosto misericordioso deste Deus que está sempre de braços abertos para nos acolher. A mesma cena eucarística é expressão da universalidade do amor de Deus: é alimento para o perdão dos pecados.

O Deus da misericórdia não ninguém excluído de sua mesa, da mesa da vida; mais ainda, quer convidar especialmente a todos aqueles que são excluídos das mesas dos homens por sua situação social, por sua pobreza, por seu sexo ou por qualquer outro motivo; e vai mais longe, não vê com bons olhos os que acreditam participar de sua mesa, mas excluem de sua mesa os seus irmãos por serem pobres. O Deus que não faz distinção de pessoas, ama diletamente os menos amados. Contudo, muitas vezes tomamos a atitude do irmão mais velho. Quando é que vamos sentar à mesa dos pobres e abandonar nossa tradicional postura de soberba e divisão de "bons cristãos"? Quando é que vamos participar da festa de Deus reconhecendo como irmãos os rejeitados e desprezados? Jesus nos convida à sua mesa, uma mesa na qual mostramos, como em uma parábola, como é o Deus, como é a fraternidade nos quais acreditamos. E vamos mostrar que somos irmãos, que somos filhos, na medida da nossa participação da alegria do pai e do reencontro com os irmãos.

FONTE: PORTAL CLARET
MARCADOR: LITURGIA

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